Aproximadamente há meio bilhão de anos, um minúsculo verme armado com uma boca retrátil espinhosa rastejava pelo Arizona pré-histórico.

Após passar um longo período fossilizado dentro de uma rocha, o espécime recém-identificado foi revelado em um estudo publicado no último dia 23.

O sofisticado aparelho de alimentação do verme indica que um dia o Grand Canyon, nos Estados Unidos, foi uma área favorável à evolução de espécies, onde as condições eram tão boas que animais como esse podiam se dar ao luxo de correr riscos enquanto evoluíam.

Seu nome? Kraytdraco spectatus, devido a sua semelhança com um monstro de “Star Wars”.

O verme faz parte de um quarteto de animais pré-históricos descobertos no parque nacional em uma expedição recente, lançando luz sobre o vibrante e diversificado ecossistema subaquático que, segundo os paleontólogos, fervilhava de vida durante o período Cambriano, de 502 a 507 milhões de anos atrás.

Segundo o palentólogo Giovanni Mussini, da Universidade de Cambridge (Reino Unido), que ajudou a descobrir a amostra e escreveu o artigo, esse é o conjunto mais antigo de fósseis animais bem preservados a ser descoberto no Grand Canyon e retrata um ecossistema que atuou como uma espécie de berço evolutivo.

Junto com o verme, o grupo pré-histórico inclui dois moluscos e um animal parecido com camarão e peludo —todos datados da explosão Cambriana, um período de desenvolvimento evolutivo acelerado.

Foi durante esse período que a maioria dos grupos animais se diversificou, mudando rapidamente a biosfera, afirmou o paleobiólogo Stephen Pates, da University College London (Reino Unido), que não esteve envolvido na pesquisa.

Esses fósseis “fornecem importantes informações sobre ecossistemas de águas rasas, bem oxigenadas e quentes desse momento relevante na história da vida”, escreveu ele em um email, destacando o fóssil do verme como excepcional.

Durante o período Cambriano, a área que hoje é o Grand Canyon estava mais próxima do equador e submersa sob um mar raso e ameno —o próprio cânion não seria esculpido pelo rio Colorado por mais 500 milhões de anos aproximadamente.

“Era um lugar perfeito: a água não era profunda o suficiente para bloquear a fotossíntese ou reduzir a disponibilidade de oxigênio, mas, ao mesmo tempo, não era rasa demais a ponto de ser perturbada pelas ondas”, disse Mussini.

“Onde você tem essa alta disponibilidade de recursos, a evolução estava essencialmente em alta velocidade”, acrescentou, descrevendo como os habitantes pré-históricos da área podiam se dar ao luxo de desenvolver adaptações arriscadas que teriam sido muito exigentes em habitats mais desafiadores. “Como consequência, a taxa de inovação tecnológica entre esses animais é acelerada.”

O verme recém-descoberto, com não mais de alguns centímetros de comprimento e equipado com uma boca retrátil chamativa, é evidência de tal especialização. “Pense nisso como o dedo de uma luva”, afirmou Mussini. “Quando o animal quer capturar alimento, ele está dobrado do avesso, invertido, e o dedo inteiro —metaforicamente falando— é lançado para frente com os dentes projetados para fora.”

Os restos fossilizados do verme foram encontrados junto com as outras três criaturas em duas rochas do tamanho de um punho, coletadas por Mussini em uma expedição de 2023. Sua equipe identificou uma criatura semelhante a um camarão que usava seus membros peludos para recolher alimentos que passavam e dois moluscos que raspavam algas ou bactérias das rochas.

Um desafio para os paleontólogos é o fato de que as condições que tornam a preservação de fósseis mais provável —ambientes sem oxigênio e não perturbados— tendem a ser as mais hostis para a vida.

Isso torna a descoberta dos fósseis em uma área que outrora abundava com tanta vida ainda mais notável.

De acordo com Mussini, as descobertas retratam um ecossistema pré-histórico que era propício para promover adaptações rápidas. “Quando começamos a encontrar fósseis excepcionalmente preservados nesses ambientes incomuns, o que vemos é uma modernidade bastante evidente em comparação com aqueles que encontramos em outros lugares.”

Karma Nanglu, paleontólogo da Universidade Harvard que não esteve envolvido no estudo, disse que esses tipos de fósseis —que não são encontrados inteiros, mas montados a partir de pequenos pedaços— muitas vezes podem ser subestimados. “Esses fósseis são absolutamente belos e com uma qualidade extremamente alta de detalhes de preservação.”

Mas, embora estivesse claro que a área era habitada por animais complexos com adaptações específicas para seus estilos de vida, Nanglu afirmou que comparações estatísticas mais robustas com outros locais são necessárias para afirmar se o ecossistema favoreceu formas de vida mais diversas.

“Eu não diria que isso mostra incontestavelmente um nível mais alto de diversidade de modos funcionais quando comparado a outros lugares”, disse ele. “Esse local mostra de fato um conjunto bastante único de animais. Se é ou não exclusivamente elevado, é bastante difícil de validar.”

Apesar da variedade de opiniões sobre até que ponto as descobertas mostram que o local era um centro evolutivo, os paleontólogos concordaram que o estudo estabeleceu as bases para futuras pesquisas de fósseis na região.

“O que temos é provavelmente apenas a ponta do iceberg do que realmente vivia no Grand Canyon durante aquele período”, disse Mussini.



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