A campanha do governo Trump para impedir que fabricantes chineses evadam as altas tarifas dos EUA pode obstruir o comércio global com burocracia excessiva, prejudicando as cadeias de suprimentos das quais as empresas de eletrônicos e montadoras dependem para produzir bens ao menor custo, de acordo com especialistas em logística e economistas.

Autoridades do governo afirmam que algumas empresas chinesas têm burlado as tarifas que o presidente Donald Trump começou a impor em 2018, enviando seus produtos para clientes americanos via países como o Vietnã, que enfrentam barreiras comerciais mais baixas nos EUA. Esses fluxos cresceram este ano, à medida que Trump aumentou as tarifas sobre produtos chineses para um nível sem precedentes de 145% em abril, antes de reduzi-las algumas semanas depois.

Os acordos comerciais preliminares que o presidente anunciou nas últimas semanas com o Vietnã e a Indonésia visam frustrar essa prática, conhecida como transbordo, com uma tarifa de dois níveis: uma taxa para produtos produzidos localmente e uma taxa muito mais alta para bens originários de outros lugares.

Como a maioria dos bens manufaturados contém alguns componentes chineses, a distinção entre bens feitos localmente e bens chineses dependerá de detalhes regulatórios que ainda precisam ser acordados entre Washington e seus parceiros comerciais. Essas “regras de origem” limitarão a quantidade de conteúdo chinês que um produto vietnamita ou indonésio pode conter para ainda se qualificar para a taxa tarifária mais baixa.

Além de impedir que produtos chineses evitem taxas alfandegárias dos EUA, a tarifa de dois níveis introduzirá complexidade e burocracia adicionais ao movimento transfronteiriço de mercadorias, especialmente na Ásia.

As regras de origem no acordo comercial norte-americano que Trump negociou durante seu primeiro mandato, por exemplo, tinham 270 páginas. Muitos especialistas disseram que é improvável que os detalhes indonésios ou vietnamitas sejam acordados até 1º de agosto, quando as tarifas mais recentes do presidente estão programadas para entrar em vigor.

“É um ataque frontal às cadeias de suprimentos globalizadas. Isso é o ‘fabricado na América’ em larga escala”, disse Chris Rogers, chefe de pesquisa de cadeia de suprimentos da S&P Global Market Intelligence em Londres. “É por isso que essas regras de origem serão tão importantes.”

Algumas formas de transbordo são legítimas, como a carga que se move de um navio para outro em um centro de transporte, da mesma forma que um passageiro de avião pode embarcar em um voo de conexão. Mas enviar, por exemplo, produtos chineses para o Vietnã apenas para que sejam reembalados em contêineres vietnamitas e exportados para os Estados Unidos não é.

Empresas há muito tempo se engajam em ambos os tipos de transbordo. Mas a versão ilícita tornou-se mais prevalente depois que Trump começou a impor altas tarifas sobre produtos chineses durante seu primeiro mandato. As tarifas ainda mais altas deste ano —muitos produtos chineses enfrentam impostos de importação de 55%— deram aos fabricantes um incentivo maior para procurar rotas de tarifa mais baixa para o mercado dos EUA.

Ao longo da última década, quase dois terços das 248 investigações de transbordo da Alfândega e Proteção de Fronteiras envolveram a China como a suposta fonte dos bens em questão, de acordo com dados publicados no site da agência.

Nos últimos meses, autoridades dos EUA investigaram casos envolvendo o transbordo de armários e bancadas de madeira, tubos de óleo, chassis de reboques, fitas e cabides de arame de fabricação chinesa.

“Os chineses são muito abertos e descarados quanto a isso”, disse Luke Meisner, advogado da Schagrin Associates, que representou associações da indústria dos EUA em vários casos.

Empresas de logística chinesas oferecem um “balcão único” para a evasão tarifária, levando mercadorias de uma fábrica na China continental para armazéns especiais em países como Malásia ou Vietnã, onde a documentação é preparada para mascarar a origem da remessa, disse Meisner. Uma afiliada nos EUA da empresa de logística atua como importador oficial nos Estados Unidos, liberando o cliente americano da responsabilidade legal pela fraude tarifária.

Se os funcionários da alfândega dos EUA pegarem o importador, a empresa pode rapidamente encerrar as operações e desaparecer.

Desde 2018, “surgiu uma indústria inteira de empresas de logística [chinesas]” para evadir tarifas, disse o Comitê Seleto da Câmara sobre o Partido Comunista Chinês em março. O painel disse que peças de automóveis e têxteis chineses estavam entre os produtos sistematicamente enviados através de terceiros países para os EUA.

As importações dos EUA da China vêm caindo há vários anos, em meio às tarifas de Trump e ao aumento das tensões geopolíticas. Em maio, as empresas dos EUA importaram US$ 20,5 bilhões em mercadorias chinesas, menos da metade do total no mesmo mês, três anos antes.

No entanto, esses números subestimam a contínua dependência dos EUA de fornecedores chineses. Com o aumento dos salários chineses, alguns fabricantes chineses abriram fábricas no Vietnã, onde os custos são mais baixos, imitando o fenômeno que moveu o trabalho de produção dos EUA para a China um quarto de século atrás.

Outros produtos chineses chegam aos EUA após paradas em países como Vietnã e Malásia, que surgiram como dois dos principais canais de transbordo. Nos 12 meses até maio, as exportações chinesas para 10 nações do Sudeste Asiático aumentaram em US$ 330 bilhões, enquanto os embarques desse grupo para os EUA aumentaram em US$ 220 bilhões, de acordo com a S&P Global.

Ao examinar dados de abril, maio e junho, o economista Gerard DiPippo, pesquisador sênior do escritório da Rand em Washington, concluiu que cerca de um terço do aumento das exportações chinesas para o Sudeste Asiático poderia, em última análise, parar em solo americano.

“Claramente, os EUA estão preocupados que seja como espremer ar em um balão, certo? Você espreme uma parte e ela simplesmente se move para outro lugar”, disse DiPippo.

Mesmo com a queda dos embarques da China para os EUA, seus embarques para o Vietnã aumentaram drasticamente —assim como as exportações vietnamitas para os EUA. Em abril, Peter Navarro, conselheiro de comércio da Casa Branca, reclamou à Fox News sobre “produtos chineses que chegam ao Vietnã, eles colocam um rótulo de ‘feito no Vietnã’ e os enviam para cá para evadir as tarifas”.

Para apoiar o esforço do governo para promover a manufatura doméstica, o Departamento de Justiça anunciou planos para intensificar os esforços de fiscalização de fraude aduaneira. Em um memorando de 12 de maio, Matthew R. Galeotti, chefe da divisão criminal do departamento, identificou “fraude comercial e alfandegária, incluindo evasão tarifária”, como uma das 10 áreas de “alto impacto” que os promotores federais priorizarão.

Mas processar tais casos, seja como infrações civis ou criminais, é difícil, disse Douglas Jacobson, advogado comercial em Washington. Exportadores estrangeiros podem facilmente falsificar documentos que identificam o país de origem de um produto. E os funcionários da alfândega determinam a origem oficial de um produto onde ele sofre uma “transformação substancial” por meio de fabricação ou processamento. “Esse é um padrão muito subjetivo”, disse Jacobson.

O recente anúncio do governo dos contornos de acordos comerciais com o Vietnã e a Indonésia refletiu o desejo de bloquear a evasão tarifária. No acordo com o Vietnã, os EUA imporão uma “tarifa de 40% sobre qualquer transbordo”, disse Trump no Truth Social. A Indonésia concordou com a mesma taxa sobre quaisquer exportações de bens que se originem em “economias não de mercado”, como China e Rússia.

Compradores americanos pagarão tarifas muito mais baixas para importar bens produzidos nesses países: 20% para produtos vietnamitas e 19% para mercadorias indonésias.

“Os Estados Unidos e a Indonésia negociarão regras de origem facilitadoras que garantam que os benefícios do acordo sejam para os Estados Unidos e a Indonésia, não para terceiros países”, diz uma ficha informativa da Casa Branca.

Produtos compostos por uma grande porcentagem de componentes de qualquer uma das 11 nações que o governo dos EUA designa como economias não de mercado —incluindo China, Rússia, Armênia, Bielorrússia e Vietnã— enfrentariam as tarifas mais altas, de acordo com um alto funcionário do governo que informou a jornalistas sobre o pacto indonésio sob as regras estabelecidas pela Casa Branca.

Vários especialistas em comércio disseram que é improvável que as regras de origem necessárias possam ser acordadas até 1º de agosto, quando as novas taxas tarifárias do presidente estão programadas para entrar em vigor. O escritório do representante comercial dos EUA não respondeu a um pedido de comentário.

Acordos bissegmentados semelhantes são prováveis com outras nações do Sudeste Asiático. A China, por sua vez, alertou os países para não assinarem acordos com os EUA que prejudiquem seus interesses.

Alguns especialistas estão céticos em relação à abordagem geral do governo. Funcionários da Alfândega e Proteção de Fronteiras, por exemplo, já examinam os fluxos comerciais usando um software que pode identificar padrões suspeitos, disse David Murphy, sócio da GDLSK, um escritório de advocacia de Nova York.

“Não entendemos como eles vão implementar isso”, disse Murphy. “Não entendo por que [o novo sistema tarifário] é necessário. É apenas uma questão de fiscalização.”

Embora o transbordo já seja uma violação da lei alfandegária, autoridades do governo disseram que são necessárias regras adicionais para combater os efeitos colaterais da produção chinesa de muito mais bens manufaturados do que seu mercado doméstico pode absorver.

Mas, a menos que as tarifas sobre produtos chineses sejam reduzidas para mais perto da taxa de transbordo de 40% para os vizinhos do Sudeste Asiático da China, ainda haverá um incentivo para as empresas fraudarem, disse a ex-economista do Banco Mundial Caroline Freund, reitora da Escola de Política Global e Estratégia da Universidade da Califórnia em San Diego.

“Acho que será um enorme problema, porque onde há uma grande oportunidade de arbitragem, as pessoas vão aproveitá-la”, disse ela. “Então é isso que está sendo criado. E quanto mais altas as tarifas, maior o incentivo para transbordar mercadorias.”



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