
A palavra preferida da minha filha de 6 anos é, disparado, cocô. Questionada sobre qualquer coisa, sua resposta, invariavelmente, será cocô.
“Quer picolé de que?”
“De cocô”
“Qual sua cor preferida?”
“Cor de cocô”
“Qual é o nome da professora nova?”
“Professora Cocô”
Empatados em segundo lugar estão: pênis e vagina, aprendidos recentemente e também usados aleatoriamente, invariavelmente acompanhados de sorrisos sapecas e gargalhadas.
A brincadeira sempre me transporta de volta à quinta série, quando a professora, muito séria —provavelmente já antecipando as piadas que aconteciam absolutamente todos os anos nesta mesma aula— explicava a reprodução sexual humana.
No slide projetado sobre o quadro branco, o desenho lateral de um pênis repousando por cima do saco escrotal. Em seu interior, artérias e cavidades destacadas por cores diferentes. Ao seu lado, a visão frontal dos ovários, do útero e da vagina.
Enquanto professora Graça seguia com sua explicação, apontando os grandes e pequenos lábios da vagina, ouviu-se uma voz abafada vindo lá de trás que gritou:
“Para de tocar punheta, Lucas!”
A turma caiu na gargalhada. Menos Lucas, que estava dormindo no fundão, e acordou de sobressalto com o súbito volume das risadas e os rostos dos colegas virados em sua direção.
Mais de uma década depois, me vi novamente na quinta série. Estava numa sala de reunião da agência em que trabalhava, discutindo com o time criativo propostas para a logo de um cliente, quando, de repente, entre uma sugestão e outra, a dupla de designers apresentou uma proposta demasiadamente semelhante a um pênis ejaculando. Dois segundos de silêncio se seguiram enquanto os demais participantes da reunião se olhavam com perplexidade.
“É brincadeira!”, esclareceram os dois suscitando gargalhadas dos homens da equipe e fazendo revirar os olhos das mulheres presentes.
Os dois seguiram a apresentação sorrindo, sem se importarem com o constrangimento gerado em parte da plateia ou a perda de tempo durante horário comercial.
Mais uma década se passou e, na semana passada, publiquei uma coluna que falava sobre o classicismo da longevidade, o privilégio que é envelhecer bem. Um assunto sem qualquer conotação sexual.
Como de costume, depois de alguns dias, fui ler os comentários. Entre os pertinentes —concordantes ou discordantes—, me deparei com uma pérola que parecia saída diretamente daquela aula de biologia da quinta série. Ela dizia:
“Meu mastro está uma pedra e jorrou litros esse final de semana.”
Confesso ter apreciado a metáfora, mesmo sabendo que provavelmente não era fruto de algum traço de maturidade do autor, mas de uma tentativa de não ser barrado pela moderação da Folha por uso de linguagem chula.
Assim como minha filha adora falar de cocô, imagino que Paulo, autor cujo nome completo estava exposto logo acima do comentário para quem quisesse ler, deve adorar falar de seu mastro. Imagino sua risada de canto de boca, enquanto seus dedos cabeludos de homem adulto digitam a palavra: M-A-S-T-R-O.
A diferença é que, da minha filha, será esperado que amadureça, que saiba se portar e medir suas palavras de modo a não constranger o outro e não se colocar em perigo. Já a Paulo, e a tantos “moleques” adultos como ele, é permitido permanecer na quinta série para sempre.
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