Os ataques de Israel ao Irã, com a posterior entrada dos EUA no conflito, arrastaram o mundo para cenários imprevisíveis. A violência sem limites contra o povo palestino e a agressão não provocada ao Irã ameaçaram a segurança das nações, quebraram o direito internacional e a atuação eficiente das instituições multilaterais. Estamos perigosamente nos aproximando da situação vigente no período anterior à Segunda Guerra Mundial. E o resultado desastroso é por todos conhecido.

O genocídio em Gaza, perpetrado deliberadamente por Israel para inviabilizar a existência do povo palestino em seu próprio território, a redução de toda uma população à condição sub-humana, a arrogância que impede agências da ONU de proteger refugiados, o assassinato de jornalistas, médicos e de funcionários de agências internacionais, a invasão do Líbano, os ataques à Síria, ao Iêmen e ao Irã, em todas essas ações coordenadas o governo israelense viola e tripudia sobre a lei internacional, alegando o direito de defesa.

No entanto, a ordem multilateral está fundamentada na lei internacional, e esta é muito clara ao enunciar as obrigações básicas dos terceiros Estados, dentre as quais se incluem prevenir ou não contribuir para a manutenção do Crime de Agressão e sua expressão mais hedionda, o Genocídio. O não cumprimento dessas obrigações constitui omissão e cumplicidade e compromete a vigência e eficácia do sistema internacional baseado no princípio da universalidade dos direitos humanos fundamentais e da proteção destes sob a égide do direito internacional.

A aplicação de sanções como forma de isolar o Estado de Israel para pressioná-lo a parar o genocídio e os crimes de agressão contra seus vizinhos, já é uma tendência mundial, que começa a ser seguida até por países europeus, que jamais deixaram de ser aliados de Israel.

A Espanha aprovou um embargo militar a Israel e trabalha para efetivá-lo, o Reino Unido suspendeu as negociações de um tratado de livre comércio, a Irlanda prepara legislação para suspender toda atividade comercial com esse país, a Turquia interrompeu a venda de petróleo, e a Sérvia acaba de anunciar embargo à venda de armas ao Estado de Israel. Até mesmo empresas, como a Maersk, gigante dinamarquesa do setor de cargas, rompeu relações com empresas operando em assentamentos israelenses.

O Brasil, pela voz de seu maior dirigente, reconhece o genocídio perpetrado por Israel contra o povo palestino, e temos demonstrado nosso repúdio a esse crime em votações na Assembleia geral da ONU. A matéria se encontra sob apreciação em quatro casos em andamento na Corte Internacional de Justiça. Também nos posicionamos através de lúcidas e incisivas declarações do Presidente da República, em consonância com a maior parte do corpo acadêmico brasileiro e os maiores especialistas mundiais em estudos do genocídio.

Em face dos crimes de guerra cometidos por Israel, não cabe manter com ele vínculos comerciais ou militares, com a transferência de material bélico e a realização de feiras tecnológicas ou o fornecimento de petróleo. O Brasil integra um Tratado de Livre Comércio entre o Mercosul e Israel que não cumpre sua própria cláusula de exclusão de produtos oriundos de assentamentos ilegais. A suspensão das relações comerciais e militares assim se impõe, em defesa da lei internacional e dos princípios básicos da condição humana. Como liderança regional, o Brasil deve dar o exemplo.


Marilena Chauí, Professora emérita da Universidade de São Paulo

Paulo Sérgio Pinheiro, diplomata e ex-ministro da República

Leda Paulani, Professora da Faculdade de economia da USP

Carlo Augusto Calil, Professor Titular da USP e ex-secretário da Cultura de São Paulo

Arlene Clemesha, Professora da USP, coordenadora do Centro de Estudos Palestinos

Vladimir Safatle, Professor Títular da USP

Paulo Casella, Professor Titular de Direito Internacional da USP



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