
Não sei se é possível jogar melhor, com maior intensidade física e controle emocional do que Carlos Alcaraz e Jannik Sinner fizeram durante 5h29 de uma final de Roland Garros que viveu inúmeras reviravoltas sem jamais perder qualidade. Foi talvez o jogo que fez grande parte dos fãs do tênis esquecer por um bom tempo do Big 3, porque os dois jovens líderes do ranking não deixaram nada a dever, do primeiro ao último ponto.
Espancaram a bola desde o primeiro game, correram tresloucadamente, viram o adversário pronto para encerrar a partida e nunca desistiram de encontrar soluções. E no meio desse turbilhão, realizaram lances espetaculares das mais variadas exigências técnicas. Um tremendo espetáculo para marcar o primeiro confronto direto entre eles em finais de Grand Slam, nos deixando a deliciosa impressão de que cada um pode fazer ainda muito mais.
Alcaraz, que já venceu todos os Masters do saibro além do bi em Paris, é definitivamente o herdeiro de Rafa Nadal, a quem lembrou por sua recusa em perder, tendo agora vencido todos os quatro jogos em que foi levado ao quinto set em Roland Garros. No geral dos Slam, aliás, venceu 13 das 14 partidas que foram ao último set. Ao mesmo tempo, vence seu quinto e mais difícil Slam, já que nunca havia saído dois sets abaixo numa final.
A primeira parte do jogo deste domingo esteve nas mãos de Sinner. Apesar dos games e pontos muitos longos – já haviam decorridos 45 minutos e ainda estava 3/3 -, o número 1 não dava muito espaço para as variações conhecidas do espanhol devido à profundidade e peso de suas bolas. Frente a um número expressivo de erros não-forçados de Alcaraz, que se via na obrigação de ser ainda mais ofensivo, Sinner teve 6/4, 5/3 e saque. O guerreiro espanhol ainda reagiu, mas voltou a ser dominado no tiebreak e de repente a vantagem do italiano era muito grande.
Tudo parecia caminhar de forma rápida quando Alcaraz ainda começou o terceiro set com saque perdido, mas pouco a pouco ele foi reduzindo os erros e usando melhor o forehand. Ainda assim, falhou na hora de fechar a série com o saque a favor e então devolveu de forma assustadora para diminuir o placar.
Mas estava difícil superar a solidez de Sinner lá da base. Nenhum dos dois teve índice aceitável de primeiro saque – terminaram abaixo dos 60% – e isso levava a um jogo de gato-e-rato nas devoluções, Alcaraz buscando mais as paralelas e Sinner, as cruzadas. Com 3/5, o defensor do título se viu com 0-40. Era o fim? Que nada. Encheu-se de coragem, disparou o forehand e escapou. Ainda saiu 0-2 no tiebreak, mas aí ele já estava cheio de confiança.
Não havia o menor sinal de cansaço, mas o italiano perdeu a intensidade, talvez ainda chocado com a chance perdida, e ainda via o espanhol pela primeira vez disparar curtinhas desconcertantes. Foi então a vez de Alcaraz sacar para a vitória. Como um digno líder do circuito, Sinner se agigantou e impediu a derrota, com bolas incríveis na linha e um esforço hercúleo para chegar numa curtinha que parecia mortal.
A decisão só poderia acabar mesmo no supertie-break e então o espanhol deu um show, vencendo os sete primeiros pontos com precisão e ousadia. Concluiu a tarefa com mais uma notável paralela de forehand, seu 70ª winner do dia, 17 a mais que o adversário. A estatística ainda reservou uma curiosidade: Sinner foi mais para os voleios do que o próprio adversário.
Carlitos chega ao quinto troféu de Grand Slam com diferença mínima de idade para Bjorn Borg (29 dias) e Rafael Nadal (1 dia), que eram apenas pouco mais jovem ao atingir essa galeria com os mesmos 22 anos. A diferença a favor de Alcaraz é que ele não perdeu ainda qualquer uma final de Slam disputada, façanha que só é superada na Era Profissional por Roger Federer, que venceu suas sete primeiras decisões.
Sinner não escondia a decepção por ter deixado escapar tamanha chance de somar o quarto Slam e o primeiro fora da quadra dura, tendo perdido também a sequência de 20 vitórias e 31 sets nesse nível de torneio. Pior ainda, a meu ver, é sofrer a quinta derrota consecutiva para Alcaraz, que agora lidera os confrontos por 8 a 4 em nível ATP. Desde agosto do ano passado, Sinner chegou a final de todos os oito torneios que disputou e as únicas três quedas foram justamente para aquele que está hoje logo atrás de si no ranking.
Alcaraz ao mesmo tempo dá uma excelente resposta a quem andou criticando seu possível comportamento mais relaxado fora das quadras, que foi tão explorado pelo documentário da Netflix. A conquista histórica deste domingo inesquecível em Paris mostrou o tamanho de sua motivação e entrega, ao mesmo tempo que deixou claro o quanto ele sobra em termos atléticos dentro de uma quadra de tênis.
Não dá mesmo para discutir sobre sua aptidão. Alcaraz é para mim o tenista mais talentoso e completo que apareceu no tênis pelo menos nos últimos 20 anos. E, se não se acomodar e descuidar do corpo e mente, terá um currículo digno de um Big 3.
E mais
– No século 21, apenas Guga Kuerten, Nadal e agora Alcaraz obtiveram títulos consecutivos na chave masculina de Roland Garros.
– O espanhol marca outro feito imponente de precocidade: é o mais jovem desde Borg a ser bi consecutivo tanto em Paris como em Wimbledon.
– O tênis italiano não saiu sem títulos de Roland Garros e Sara Errani teve papel fundamental. Ganhou duplas com Jasmine Paolini, o primeiro Slam do dueto, e também faturou as mistas, junto a Andrea Vavassouri.
– Já a final de duplas masculinas premiou outro espanhol, Marcel Granollers, que enfim ergueu seu troféu de Slam ao lado do excelente canhoto Horacio Zeballos.
– O argentino, até hoje o único jogador de seu país a ser número 1 de um ranking profissional, venceu o primeiro Slam para a Argentina desde Juan Martin del Potro, em 2009.
– Apesar das chaves muito pequenas, merece destaque mais dois títulos conquistados por Vitória Miranda em nível Slam, repetindo as simples e as duplas juvenis da Austrália entre os tenistas com cadeira de rodas. Luiz Calixto, também mineiro, foi vice nas duplas.