
Você já ouviu falar em panaceias, as poções indicadas na Grécia antiga para tratar qualquer doença. Na medicina moderna a panaceia não é um chá de ervas gregas nem um desses medicamentos que custam os olhos da cara. No passado, os médicos recomendavam a mulheres e homens com mais de 50 anos: “Não exagerem, façam repouso”.
Partiam do princípio de que o esforço físico causava uma sobrecarga capaz de prejudicar o funcionamento do organismo. A imagem do homem aposentado fulminado por um infarto enquanto lia o jornal na sala fazia parte da história das famílias.
Num domingo do internato no Hospital das Clínicas, senti dores abdominais fortes. Meu amigo Dario Birolini, que chefiava o plantão, fez o diagnóstico de apendicite e me operou.
Passei quatro dias na enfermaria, não adiantou dizer aos colegas que estava ótimo, que um corte de três centímetros não justificava tamanha imobilidade para cicatrizar. Hoje, o ortopedista coloca uma prótese de joelho de manhã e, na parte da tarde, coloca o infeliz a tapa para fora da cama do hospital.
Os avanços científicos nos ensinaram que a atividade física fortalece os músculos, aumenta a densidade óssea, melhora a elasticidade das articulações, a circulação e a oxigenação do sangue que vai irrigar todos os órgãos. Ao lado desses benefícios, provoca modificações metabólicas associadas à proteção contra as diversas enfermidades crônicas.
Faço estas observações, leitora, para comentar um estudo de grande repercussão que acaba de ser publicado na revista que tem a maior circulação entre a comunidade médica, o New England Journal of Medicine.
No período de 2009 a 2024, foram acompanhadas 889 pessoas em 55 localidades, a maioria das quais no Canadá e na Austrália. Os participantes tinham sido operados de câncer de cólon localmente avançado, seguido de quimioterapia para reduzir o risco de metástases.
Cumprida essa fase de cirurgia e quimioterapia adjuvante, os participantes foram divididos em dois grupos: 1) grupo-controle, formado por 444 pacientes que receberam apenas informações gerais sobre educação em saúde; 2) grupo-exercício, com 445 pacientes que, além das mesmas informações, precisou cumprir um programa de exercícios físicos, que teve três anos de duração.
O programa consistia em acrescentar 45 a 60 minutos de andar a passos rápidos três a quatro vezes por semana ou correr 25 a 30 minutos o mesmo número de vezes semanais. A execução do programa foi controlada com rigor. A média de idade foi de 61 anos; 51% eram mulheres. Vou resumir os principais resultados, depois do acompanhamento médio de oito anos (em números inteiros).
1) Somados os casos de recidiva do câncer, novos tumores primários e mortes, 74% do grupo-controle permaneciam livres da doença, contra 80% no grupo-exercício.
2) Das 107 mortes no período, por câncer ou qualquer outra causa, 66 delas ocorreram no grupo-controle contra 41 registradas no grupo-exercício.
3) A mortalidade pelo câncer no grupo-controle foi de 17% contra 10% no grupo-exercício.
4) Ao longo dos oito anos, 2,7% das mulheres desenvolveram câncer de mama contra 0,4% do grupo-exercício. Dos homens do grupo-controle, 2% tiveram câncer de próstata contra 1% registrado no grupo-exercício.
Em suma, exercícios de intensidade moderada, como andar depressa ou correr três a quatro vezes por semana, aumentam o tempo livre de doença, reduzem a mortalidade e o risco de ter um novo câncer de intestino, de mama ou de próstata.
Sabemos que a obesidade é um dos fatores de risco para diversos tipos de câncer. Como não houve diminuição significativa do índice de massa corpórea nos dois grupos, os resultados não podem ser atribuídos à perda de tecido gorduroso dos participantes.
Publicações anteriores haviam demonstrado benefícios semelhantes, mas sofriam de vieses observacionais e estatísticos que o estudo citado procurou corrigir. É muito importante saber que um tipo de atividade física ao alcance de praticamente todos tem um impacto na cura do câncer de intestino da ordem daquela obtida por meio da quimioterapia.
No entanto, não conclua, leitor, que estamos autorizados a substituí-la pelo exercício.
Todos os participantes foram submetidos a sessões de quimioterapia depois da cirurgia. Os efeitos, nesse caso, foram cumulativos. Não haveria espaço nesta coluna para listar os benefícios da atividade física. São tantos os benefícios que a comparação com as panaceias do passado não parece ser exagerada.
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