Tão logo se destacou das fileiras de astros adolescentes de seu país, nos anos 1980, Kylie Minogue suscitou comparações com Madonna. A loirinha australiana seria a princesa do pop, que já tinha sua monarca. O título não colou, e não por menos —à sua maneira, Kylie também se provou rainha.

Num mundo onde o pop é tão vil moeda de troca quanto potente campo de expressão de massa, discutir o tamanho de Kylie soa desnecessário. Mas é nessa régua que vemos como ela ganha. A artista conquistou seu lugar na realeza do pop no singelo que habita a festa hedonista e o amor “naive”.

Foi esse pacote de corpo e alma que ela trouxe ao Brasil em apresentação única nesta sexta-feira (15), em São Paulo, no Ginásio do Ibirapuera. Última perna da turnê do disco “Tension”, lançado em 2023 e expandido em 2024, o show foi uma celebração de música pop versátil feita à mão.

Em duas horas de palco, Kylie espreme o melhor do seu catálogo. Hit atrás de hit, a cantora de 57 anos é incansável num cavalgamento que não acelera o passo nem perde o foco –algo incomum para os shows hipercalculados das estrelas atuais, com pirotecnias que, de fato, superam a estrutura trazida pela artista ao país.

O show abre como um menu degustação da longa obra de Kylie. “Poderíamos cantar juntos por cinco, seis horas”, ela diz. Entre linhas de baixo suingadas e teclados cheios de progressões animadas, ela balança com a voz em faixas como “Spinning” e abusa dos vocais em canções como “Come Into My World” –pena que o ginásio parece embolar a região média do som, justamente quando canto, coral e cozinha embalam o ápice das músicas.

No segundo ato, Kylie volta a seus primeiros anos entre cria do showbiz australiano e artista tateando o pop. De color block e cantando a fanfarrona “Locomotion”, a cantora parece habitar um vídeo gravado em câmera de VHS rodando do toca-fitas para a TV de tubo, tudo sob uma chuva de papel picado e trenzinho com o balé.

À exceção de seu rap um tanto infantil em “Shocked” e seu country cosmético em “Dancing”, a entrega nesse ponto poderia ser caricata— de fato o é no sem fim de propagandas publicitárias que tentam repetir esse efeito. Para Kylie, contudo, é só mais um dia de curtição assim como nos velhos tempos. Sua voz, soprano e meio anasalada, cumpre a tarefa como se a cantora ainda tivesse 20 anos.

A atitude camp de Kylie salva a seção do show dedicada ao álbum “Disco”. No afã de surfar o resgate da disco music no início dos 2020, a cantora esqueceu que já fazia o presente do gênero há muito tempo e entregou um álbum plástico. Ao vivo, porém, o disco vai bem, com um medley rápido, divertido e rasteiro.

A energia disco music de Kylie é menos forma que seu compromisso inabalável com a pista. “Até hoje escuto suas vozes cantando”, diz ela no único momento voz e violão do show. Um respiro antes de atacar seu flerte com a club music dos anos 2000, “Slow”, seguindo para o maior sucesso da sua carreira.

Em “Can’t Get You Out of My Head”, a artista encanta. Passos inspirados no vogue e encenação à la clipe de Michel Gondry, ela consegue unir frescor e retidão no microfone. Carismática, transformou o público num coral de vozes masculinas cantando em uníssono o indefectível “lá lá lá”, trecho que fez da faixa um dos singles mais vendidos da história.

A performance só bate de frente com “In My Arms”, no bis, e “Love at First Sight”. O recente hit “Padam Padam” arranca a última empolgação do público, mas sua onipresença nas redes sociais no ano passado tira um pouco seu brilho. É no pop sem pretensão, nem mesmo para trends de TikTok, que mora o sucesso de Kylie Minogue.



Source link

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *