A falta de vagas nos Serviços de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes (Saicas) em São Paulo, denunciada pelo Ministério Público nesta semana, tem separado irmãos, dificultado reintegrações familiares e ampliado o sofrimento de jovens vítimas de negligência, abandono ou violência, afirma Alberto Munhoz, juiz da Vara de Infância e da Família.

Os serviços têm o objetivo de acolher crianças e adolescentes de 0 a 17 anos que estejam em situação de risco pessoal, social ou de abandono. Eles são acionados apenas quando todas as outras alternativas foram esgotadas —seja por decisão voluntária da família, seja por intervenção do Conselho Tutelar. O objetivo é que sejam sempre temporários, garantindo o direito à convivência familiar e comunitária.

Na prática, porém, a falta de vagas tem impedido esse fluxo e agravado a vulnerabilidade de crianças e adolescentes. “O que temos é a experiência diária em pedir vaga e receber a negativa. Não tem mais. Isso é gravíssimo”, disse Munhoz à Folha. Segundo ele, a escassez de acolhimento deixa bebês retidos nas maternidades e crianças vítimas de agressão por dias em hospitais, sob risco de infecção, enquanto aguardam um abrigo.

Diante da situação, o Ministério Público de São Paulo entrou com uma ação civil contra a prefeitura na semana passada para obrigar o município a reorganizar os serviços e assegurar o direito à convivência familiar e comunitária.

A promotora de Justiça responsável pelo caso, Sandra Massud, disse que o Ministério Público tenta resolver o problema administrativamente há pelo menos três anos, porém, sem sucesso. Ela crítica a separação de irmãos e o deslocamento de adolescentes para bairros distantes, o que atualmente acontece.

“Realizamos reuniões com técnicos da prefeitura, que se comprometeram a solucionar a questão; contudo, na semana seguinte, foram exonerados. Chegou a um ponto em que sequer respondiam mais às nossas solicitações”, relata.

A gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) afirmou que a Procuradoria-Geral do Município ainda não foi notificada.

Entre os efeitos mais sensíveis está a separação de crianças da mesma família e o acolhimento em regiões distantes, o que afasta os parentes e dificulta o retorno ao lar. O ideal é que a criança seja acolhida no Saica do seu próprio território. Porém, hoje ela é encaminhada para onde houver vaga, explica Cristiano Ferreira, assistente social e psicólogo de um dos serviços.

“Se você é da zona sul e vai para Pirituba, dificulta a visita da família, o trabalho da rede e o fortalecimento de vínculos. Isso prolonga o acolhimento e gera sintomas da institucionalização. Todo acolhimento gera traumas, em maior ou menor grau,” afirmou ele.

De acordo com o juiz Munhoz, o próprio afastamento produz mais uma violência, sendo necessário que o trabalho seja feito no sentido de reinseri-las em suas famílias, o que é mais difícil no caso de meninas com bebês.

Para Renata Santos, psicóloga e coordenadora de um serviço de acolhimento, a situação das mães adolescentes é uma das mais críticas. A maioria das acolhidas são negras e, entre as mães adolescentes, a maioria é de meninas pretas, periféricas e em extrema vulnerabilidade. “Não se tem vaga nem para meninos nem para meninas. Há vagas para bebês, mas não para as mães, e isso já abre caminho para a adoção desses bebês.”



Source link

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *