Por professor, jornalista e escritor Sadraque Rodrigues
Para o Portal Colombense


Ao chegar à metade do terceiro ano de mandato, o governo federal se depara com uma instabilidade cada vez mais evidente entre seus principais atores. A desarticulação entre ministérios, os discursos conflitantes de autoridades estratégicas e a crescente percepção de um gabinete sem bússola política têm acendido alertas entre aliados, economistas, cientistas políticos e, sobretudo, na população. Em meio a promessas de reconstrução social e econômica, o que se observa é um governo marcado por ruídos internos, dificuldades de coordenação e uma liderança cada vez mais questionada por sua falta de autoridade unificadora.

As fissuras que hoje ameaçam os alicerces da atual administração não surgiram de forma abrupta, mas foram se acumulando em decisões mal comunicadas, disputas internas por protagonismo e embates entre alas ideológicas que convivem sob o mesmo teto do poder. O que parecia ser, no início do mandato, uma estratégia de inclusão plural de correntes políticas distintas — do progressismo à centro-direita institucional — se converteu em fonte de confusão e entrave à implementação eficaz de políticas públicas.

Nos bastidores do Palácio do Planalto, o clima é de tensão. Secretários e ministros que, até pouco tempo, dividiam mesas de trabalho, agora trocam indiretas públicas por meio da imprensa e redes sociais. Setores do governo apresentam medidas em direções opostas, e há iniciativas sendo anunciadas por um ministério e desautorizadas por outro em questão de horas. Essa cacofonia institucional contribui para uma percepção generalizada de desgoverno, o que mina a credibilidade do Executivo perante o Congresso, investidores e o eleitorado.

Um exemplo recente ocorreu com o embate entre áreas da equipe econômica e lideranças políticas do núcleo social do governo. Enquanto técnicos defendem austeridade e equilíbrio fiscal para evitar uma espiral inflacionária, alas mais ligadas aos movimentos populares e sindicatos pressionam por aumento de gastos em programas assistenciais, reajustes salariais e investimentos públicos. O resultado é um impasse permanente, em que o presidente se vê compelido a mediar tensões em vez de liderar uma agenda estratégica clara.

Especialistas em governança alertam que a ausência de um centro de comando funcional enfraquece a autoridade presidencial. A figura do chefe de Estado, neste contexto, tem sido cada vez mais vista como um conciliador de crises internas, e não como um agente de decisões firmes e resolutivas. “Um governo precisa de hierarquia, de comando, de coerência na comunicação. Quando cada ala fala uma língua, quem perde é o país”, sintetiza a cientista política Carolina Dantas.

A comunicação institucional, por sua vez, enfrenta seus próprios desafios. A falta de uma linha narrativa clara, somada a mensagens desencontradas emitidas por diferentes setores do governo, gera insegurança e perplexidade. O cidadão comum, diante de tantas idas e vindas, já não sabe em quem confiar. O caso da taxação de compras internacionais de pequeno valor ilustra bem esse cenário: o tema foi anunciado, negado, retomado, modificado e, por fim, empurrado para o Legislativo, tudo em menos de uma semana.

Essa desorganização, além de afetar a imagem da administração, impede avanços concretos nas reformas esperadas. A reforma tributária, por exemplo, apesar de promissora, encontra resistências por falta de articulação política. Lideranças da base aliada reclamam de ausência de diálogo e de orientações claras. “Faltam reuniões, faltam diretrizes. Muitas vezes somos surpreendidos pela imprensa com decisões do Executivo”, afirma um parlamentar que integra o centrão.

As divergências não se limitam ao campo econômico. Na área ambiental, há disputas entre os que defendem uma agenda verde mais incisiva e aqueles que temem o impacto de restrições sobre o agronegócio. Na segurança pública, os discursos se alternam entre endurecimento penal e políticas de reinserção social, sem que se firme um plano nacional coerente. Essas contradições se refletem nas ações do dia a dia, como operações de órgãos federais sendo canceladas por pressões políticas ou ministros sendo desautorizados publicamente por colegas de governo.

O presidente, diante de tal cenário, tem optado por tentar conter os danos em vez de enfrentar as divergências com pulso firme. A estratégia de contemporizar, no entanto, parece cada vez mais ineficaz. O tempo passa, e os problemas se acumulam. A falta de decisões assertivas corrói a confiança do mercado, inibe investimentos e gera instabilidade social. O próprio eleitorado que reconduziu o presidente ao poder começa a demonstrar sinais de frustração.

Pesquisas de opinião indicam uma curva descendente na popularidade presidencial. Se no início do mandato a aprovação superava 60%, hoje já oscila abaixo dos 40%, com crescimento significativo da rejeição. A insatisfação é maior entre os jovens, os empreendedores e as classes médias, segmentos que esperavam uma gestão moderna, eficiente e menos ideologizada. A percepção é de que o país está à deriva, sem uma rota definida.

Analistas enxergam nessa crise de comando uma oportunidade para forças oposicionistas se rearticularem. Líderes conservadores e liberais intensificam críticas ao governo nas redes sociais e nos plenários, explorando os erros administrativos e as falhas de comunicação. Ao mesmo tempo, surgem dentro da base aliada vozes dissonantes, que, sem romper formalmente com o governo, começam a marcar posição independente em temas sensíveis. Esse processo, se ampliado, pode levar à perda da maioria no Congresso.

O empresariado, por sua vez, adota uma postura de prudência. Muitos projetos estão sendo adiados à espera de maior estabilidade política e econômica. Investidores internacionais, sempre atentos aos sinais vindos do Executivo, cobram previsibilidade, segurança jurídica e transparência. A desarticulação entre ministérios e as mensagens truncadas emitidas pelo Planalto geram desconfiança e afastam oportunidades.

No campo internacional, a imagem do Brasil também sofre desgaste. Enquanto outros países emergentes têm se destacado por planos de longo prazo, investimentos em tecnologia e liderança regional, o Brasil é visto como um gigante adormecido, travado por suas próprias contradições internas. A diplomacia brasileira tenta manter uma postura ativa, mas esbarra na dificuldade de alinhar discurso interno e externo.

Apesar do cenário preocupante, ainda há tempo para correções de rumo. A história política brasileira está repleta de exemplos de presidentes que enfrentaram crises internas e conseguiram recuperar a governabilidade por meio de reformas administrativas, trocas estratégicas no ministério e adoção de um discurso mais coerente com as demandas da sociedade. Para isso, é preciso coragem, liderança e disposição para enfrentar os conflitos que hoje estão sendo apenas contornados.

Fontes próximas ao núcleo do governo apontam que há debates sobre uma possível minirreforma ministerial. Alguns nomes têm sido ventilados para substituir figuras consideradas problemáticas ou desgastadas. A ideia seria montar um gabinete mais técnico, com foco na eficiência administrativa e menos suscetível a pressões político-partidárias. A medida, se confirmada, pode representar o início de um novo ciclo dentro do mandato atual.

A reconstrução da confiança pública, contudo, não será fácil. Requer mais do que gestos simbólicos: é necessário apresentar resultados concretos, retomar a credibilidade institucional e alinhar discurso e prática. A população brasileira, exausta de promessas, espera ações que melhorem de fato sua vida cotidiana: segurança, educação, saúde e empregos. Qualquer governo que negligencie isso pagará um alto preço nas urnas.

O momento exige uma profunda reflexão dentro do próprio Executivo. A governabilidade não depende apenas de acordos partidários, mas de uma visão de país que seja capaz de mobilizar os diversos setores da sociedade. Um governo que não governa, mas apenas gerencia crises internas, está fadado à irrelevância. E um projeto de poder sem projeto de país não se sustenta por muito tempo.


Professor, jornalista e escritor Sadraque Rodrigues
Para o Portal Colombense
Colombo, 25 de maio de 2025

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