
No julgamento das normas do Marco Civil da Internet, ministros do STF navegam em águas turbulentas.
Fake news é coisa antiga. Carta de lei editada em 1830 punia no Brasil, com até seis anos de prisão, doutrinas dirigidas à destruição das “verdades fundamentais da existência de Deus”.
O Supremo se debruça sobre recursos extraordinários que chegaram ao tribunal em 2017 por envolverem interesses (custos) do Facebook e do Google. Na mesma época, Otavio Frias Filho, diretor de Redação da Folha, escrevia artigo publicado na “Revista USP” (Dossiê Pós-Verdade e Jornalismo) com o sugestivo título “O que é falso sobre fake news”.
Sobretudo por conta do distanciamento temporal (OFF morreria em agosto de 2018, antes da facada em Bolsonaro), a leitura é interessante, necessária.
“O que antes era inaceitável, amanhã poderá se tornar imperativo”. Em sua percepção radical da liberdade de expressão, “as ideias formam um tecido contínuo de tal forma que é difícil estabelecer linhas divisórias entre o que é legítimo e o que é indevido expressar”.
O desafio começa na própria “tipificação” de fake news, informação capaz de prejudicar, comprovadamente falsa, forjada ou posta em circulação por negligência ou má-fé, “lucro fácil” ou “manipulação política”, de forma reiterada, sistemática.
Não há magia jurídica capaz de estancar a sangria da mentira.
O esboço de decisão que se forma no STF —o julgamento será retomado na quarta-feira– delega para controladores da internet a tarefa de selecionar e censurar fake news. A delegação é pela via impositiva, sob pena de multas, indenizações. Mas são corporações ainda isentas de controle e sem transparência política e institucional.
Na visão de OFF, tais organizações gigantescas não têm “compromisso ou interesse” de sustentar a liberdade de expressão, nem expertise para discernir qualidades de jornalismo. Mais do que isso, jornalismo é “atividade irrelevante”, seja porque propicia “receitas irrisórias”, seja porque gera atritos com governos. O propósito é “aumentar o tempo de estadia do maior número possível de pessoas em suas respectivas redes e extrair delas todo o tipo de informação que sirva a fins publicitários”.
Fake news prosperam porque “a maioria das pessoas, em todas as épocas, têm vivido na obscuridade de um conhecimento precário, incipiente, manietado por todo tipo de preconceitos, crendices e superstições”.
O poder das religiões —a fonte mais primitiva de fake news— é extraordinário. Datafolha informa que 35% dos brasileiros se declaram seguidores de Bolsonaro, mentiroso e golpista.
Trump, aliado de Bolsonaro, proprietário de uma das corporações para a qual se delegaria poder de censurar (desde que tenha escritório no país), é quem destrói a independência universitária nos EUA e exige que estudantes, para obtenção de vistos, abram suas redes para o controle ideológico de agências governamentais.
Vale a pena entregar a alguém como Elon Musk (et caterva), sempre dócil quando se depara com autocracias, a prerrogativa de decidir o que pode ser dito e o que deve ser censurado nas redes?
Assim como as fake news, a privatização de poderes é também capaz de mudar, ilegitimamente, o curso da política e da história.
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