
Começamos por questionar um paradoxo: não há morte por engano. Toda morte tem uma finalidade, um alvo presumido e selecionado. Determinadas mortes têm cor, como é o caso da morte (ou homicídio?) de Guilherme Dias Santos Ferreira. Complementando: não há morte acidental, acidental é o assassinato, a presunção de extermínio do outro, como parte do projeto de sua eliminação.
Este paradoxo se aplica ao caso do policial Fábio Anderson Pereira de Almeida, que, numa ação deliberada, supostamente por vingança, ou seja, com intenção de matar, atirou no jovem Guilherme, de 26 anos. O jovem, por acaso, era um homem negro, que, após cumprir seu compromisso profissional, como trabalhador assalariado, retornava para casa —para o seio da família e o descanso merecido—, mas, no meio do caminho, foi brutalmente morto, sem condição de defesa, com um tiro certeiro na cabeça. Quem não quer matar o outro não dá tiro na cabeça.
A alegação do policial para o crime é de que foi vítima de assalto. Vítima? Quem afinal foi vítima nessa situação? A arma estava na mão de quem: do policial ou do suposto bandido? Na verdade, até quando o profissional da força pública, treinado para garantir a segurança, entende que, mesmo sendo alvo de assalto, atira deliberadamente numa via pública com o fim de matar seus atacantes? As imagens veiculadas e conhecidas até o momento dão conta da falta de prudência, do despreparo técnico-científico, e da falta de limites estabelecidos entre a autoridade constituída e o cidadão. Este que faz uso do seu direito republicano de ir e vir e é pagador dos impostos, o mesmo que paga o salário policial alçado a manter a ordem pública.
Tudo é muito preocupante tendo em vista uma sociedade gigantesca como a paulistana —o que se reflete para todo o estado e país. Agrava-se o incidente a forma com que a própria Secretaria de Segurança Pública de São Paulo justifica o grave ocorrido, apenas afastando o policial que comete o crime sob a alegação de que não houve dolo. O que minimiza o impacto da bala que tirou a vida Guilherme, um homem enquadrado na juventude negra do país, alvo de extermínio e vítima de arbitrariedades e racismo.
As justificativas desse crime caem nas mesmas regras do chamado “alto de resistência”. Provavelmente a defesa usará isso a favor do policial, que, antes de qualquer coisa, precisa ser visto como alguém que matou uma pessoa, como alguém que cometeu um crime, como alguém que infringiu a lei de proteção do estado de direito e do cidadão. A presunção de inocência é sinal de respeito aos direitos constitucionais, tanto para criminosos julgados e declarados —merecedores de voltar ao banco dos réus—, quanto para quem, na posição de mantenedor da ordem, mata outrem e alega engano.
Como já disse antes, não há engano na perda de vida preta. Nem se alega legítima defesa. Fica evidente que Guilherme, homem negro, foi visto como alvo perigoso, delinquente, infrator, bandido. A pele é o alvo. Ele só estava correndo na direção do ônibus, sem armas na mão, sem qualquer perturbação da ordem pública ou ameaça a pedestres e contribuintes. O policial Fábio Anderson o julgou e o condenou à morte. Não o contrário. Até quando?
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