
A pauta de aproximação comercial cada vez maior entre Brasil e China passou a envolver o uso do etanol brasileiro para a produção de combustíveis sustentáveis de aviação (SAF) no país asiático.
Conforme informações obtidas pela Folha, o assunto foi discutido em reuniões entre representantes do governo brasileiro, da China Petroleum and Chemical Industry Federation (CPCIF) e da Chimbusco (subsidiária da PetroChina). A parceria tem potencial bilionário e, na prática, coloca o etanol no centro da transição energética chinesa.
A China estabeleceu como objetivo chegar a 3% de mistura de SAF em seus voos em cinco anos e atingir 50% até 2030, o que significaria produzir 46 milhões de toneladas desse combustível, de um total de 86 milhões de toneladas consumidas por ano.
O Brasil teria papel central nessa negociação. Os chineses têm limitação de terras agrícolas para cultivo de produtos que não sejam alimentos, além de baixa disponibilidade local de etanol.
Entre as quatro alternativas técnicas estudadas pelos chineses para produção de combustíveis sustentáveis de aviação (óleo reciclado industrial e de cozinha, combustível sintético, hidrocarbonetos e etanol), a cana-de-açúcar é vista como “a mais viável” para a cooperação Brasil–China, devido ao potencial de escala e competitividade da matéria-prima nacional.
Nesta terça-feira (12), horário de Pequim, o líder Xi Jinping falou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que “a China está pronta para trabalhar com o Brasil para estabelecer um exemplo de unidade e autossuficiência entre os principais países do Sul Global“. Segundo o comunicado brasileiro, eles falaram sobre Brics e oportunidades de negócios.
Xi acrescentou que “a China apoia o povo brasileiro na defesa de sua soberania nacional e apoia o Brasil na salvaguarda de seus direitos e interesses legítimos, exortando todos os países a se unirem na luta decidida contra o unilateralismo e o protecionismo”.
A CPCIF, que é uma das principais associações industriais da China no setor de petróleo, gás e produtos químicos, informou ao governo brasileiro que está em vias de concluir um protocolo de padronização técnica para SAF, o que abrirá caminho para adequar o etanol brasileiro a essas regras.
O tema é acompanhado de perto pelo governo brasileiro, por meio do Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária), que esteve em missão na China em junho.
Questionada sobre o assunto, a pasta não se manifestou até a publicação deste texto.
O estreitamento dos acordos comerciais entre os dois países passa por um memorando de entendimento (MoU) que o Brasil pretende assinar com o China Council for the Promotion of International Trade (CCPIT), durante a COP30, que acontecerá em novembro, em Belém (PA). O documento mira a cooperação institucional para práticas de comércio sustentável, o que envolve o SAF.
As negociações já realizadas entre China e Brasil também envolveram caminhos para financiamento de produção, com a possibilidade de criação de fundos bilaterais de “financiamento verde” e uso de mecanismos do Brics, bloco formado por Brasil, Rússia, China e África do Sul.
O fundo China–Celac, criado para apoiar projetos de cooperação entre a China e os países latino-americanos e caribenhos, também foi apontando como alternativa para apoiar projetos de recuperação de pastagens degradadas no Brasil, com o intuito de ampliar a produção de insumos para biocombustíveis, oferecendo juros baixos e saídas para evitar que a conversão cambial encareça o crédito no Brasil.
“As relações entre a China e o Brasil estão em seu melhor momento na história, com a construção de uma comunidade sino-brasileiro com um futuro compartilhado e o alinhamento das estratégias de desenvolvimento dos dois países começando bem e progredindo de forma fluida”, afirmou Xi Jinping nesta terça, em referência à sinergia de projetos da Iniciativa Cinturão e Rota e do Novo PAC.
“O lado chinês está pronto para trabalhar com o Brasil para aproveitar oportunidades, fortalecer a coordenação e proporcionar mais resultados mutuamente benéficos de cooperação”, acrescentou.
Os mecanismos financeiros bilaterais e a definição de padrões técnicos podem evitar que Brasil e China fiquem sujeitos a regras impostas por terceiros, como os Estados Unidos. O etanol foi incluído na investigação comercial aberta contra o Brasil, vinculada à Seção 301 da lei de Comércio de 1974 dos EUA.
Na abertura da investigação, o governo Trump afirma que o Brasil deixou de lado sua disposição de conceder tratamento praticamente livre de tarifas ao etanol americano e, em vez disso, passou a aplicar uma tarifa substancialmente mais alta às exportações americanas de etanol.
Antes o tarifaço, os Estados Unidos impunham uma tarifa de 2,5% sobre o etanol importado do Brasil, enquanto o país cobrava uma tarifa de 18% sobre o etanol americano de milho. Com a sobretaxa, a tarifa brasileira chega agora a 52,5%.
Como mostrou a Folha, Brasil e China também trabalham na criação de um protocolo bilateral para certificação e rastreabilidade de produtos agropecuários, com foco central na exportação de carne e soja para o país asiático.
O protocolo bilateral prevê que os dois países alinhem metodologias para mensurar emissões, uso de solo, manejo ambiental e bem-estar animal. A intenção é que certificados brasileiros, como os desenvolvidos pela Embrapa —a exemplo dos selos Carne Carbono Neutro (CCN) e Carne Baixo Carbono (CBC)—, passem a ser aceitos pelas autoridades e empresas chinesas como prova válida de sustentabilidade.