Primeira indígena a vencer o prêmio Shell de melhor atriz, Zahy Tentehar, de 35 anos, apresenta agora, na mostra paralela do Festival de Avignon, no sul da França, “Azira’i“, solo em que desconstrói estereótipos associados aos povos originários ao adotar uma perspectiva individual para contar a sua história.

A dramaturgia, escrita por Tentehar em parceria com Duda Rios, também diretor do espetáculo ao lado de Denise Stutz, é centrada na mãe da atriz, que empresta seu nome ao título da peça. Azira’í, morta em 2021, foi a primeira mulher pajé da aldeia Cana Brava, no Maranhão, onde Tentehar nasceu.

No jogo entre atriz e plateia, a peça emula as noites de contação de histórias, em que a pajé transmitia sabedoria aos jovens. “Quando eu recebi o prêmio no ano passado, não tive a dimensão do que era. Agora sei que é um prêmio que eu recebi pela profissional que sou, não porque sou indígena. Quero que as pessoas tenham clareza nisso”, afirma.

Na peça, acompanhamos a progressão da sua vida e da relação com a figura materna, em anedotas, que misturam épocas distintas, ora no passado, ora no presente. Ela repassa a convivência com Azira’i na aldeia, a chegada ao Rio de Janeiro, quando tinha 19 anos, e fala de sua preparação para estar em Avignon.

A figura materna não é, porém, idealizada. Tentehar lembra os episódios quando sua mãe lhe agredia. “Encenei esses episódios de violência, porque era preciso humanizar a figura materna. Eu também sou mãe e sei os desafios dessa posição”, diz ela. As histórias são entremeadas por canções indígenas entoadas pela artista, algumas passadas de geração em geração, outras usadas em rituais nas aldeias.

O texto tem falas não legendadas em ze’eng eté, língua falada por Tentenhar, de matriz tupi-guarani. Em muitos momentos, a atriz ensina a plateia a falar o idioma. “Estou na França, um dos países que mais colonizou outros povos. Esse espetáculo é uma negociação com esse mundo, porque estar aqui vendo os colonizadores falando a minha língua é muito satisfatório”, diz ela.

Em paralelo, Tentehar traça uma carreira no audiovisual. Na Globo, atuou na série “Dois Irmãos“, de 2017, e na novela “No Rancho Fundo“, que foi ao ar no ano passado. Também trabalhou na série “Cidade Invisível“, produzida pela Netflix.

Tentenhar afirma ser autodidata, não tendo frequentado nenhuma escola de atuação. Ela lembra que a cultura indígena já é moldada pela teatralidade de seus rituais. “Aprendo as coisas fazendo. Atrelo isso à minha cultura, eu carrego isso comigo. O teatro europeu foi usado para domesticar um povo considerado selvagem. Faço um teatro que já existia antes.”

O jornalista viajou a convite da temporada Brasil-França



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