Há um ano, a jornalista Adriana Ibba, 38, relembra diariamente o momento em que soube que o avião da Voepass havia caído, levando sua filha Liz, de apenas três anos. Desde a tragédia em 9 de agosto de 2024, ela sempre viaja com uma boneca que comprou depois da morte da menina.

“Aquele avião cai todo dia para nós. Quando acordo, lembro aquela queda trágica. Fico pensando na minha filha ali dentro, naquele inferno”, relata Adriana, que é vice-presidente da associação que reúne as famílias das vítimas.

Também faz um ano que a professora universitária Araceli Marins, 43, escuta com frequência o último áudio enviado pelo marido, Deonir Secco, 59, antes do embarque. Na breve mensagem, ele se despediu do filho, pediu que obedecesse à mãe e reafirmou seu amor pela família.

Elas são algumas das familiares das 62 vítimas do acidente —58 passageiros e quatro tripulantes do voo 2283— que acusam a empresa de negligência e culpa. Elas se baseiam nas investigações preliminares e numa reportagem do Fantástico, da TV Globo, que divulgou uma conversa atribuída a dois funcionários do setor de manutenção da companhia. Nela, um homem se diz arrependido de não ter reportado possíveis problemas na aeronave horas antes da tragédia.

As apurações ainda estão em andamento, e as famílias esperam que sejam concluídas em breve, com a identificação e punição dos responsáveis. Para elas, a justiça é essencial para que nenhuma vida tenha sido perdida em vão e para evitar que tragédias como essa se repitam.

Em nota, a companhia aérea diz que a queda do avião em Vinhedo (SP) resultou em danos irreparáveis. “Em mais de 30 anos de operações na aviação brasileira, jamais havíamos enfrentado um acidente”, diz a Voepass, acrescentando que tem atuado de forma transparente junto às autoridades públicas e segue fortemente dedicada “a resolução das questões indenizatórias o quanto antes, neste aspecto com estágio bastante avançado das indenizações restantes”.

A empresa também argumenta que estava com o CVA (Certificado de Verificação de Aeronavegabilidade) válido, e com todos os sistemas requeridos em funcionamento. A informação é confirmada pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), que diz que a aeronave, um ATR 72-500 fabricado em 2010, estava em condições regulares para operar no momento do acidente, com certificados de matrícula e aeronavegabilidade válidos. Os quatro tripulantes a bordo também possuíam licenças e habilitações em dia.

Uma das principais hipóteses para a queda é a formação severa de gelo nas asas, que pode ter provocado uma inclinação abrupta e involuntária momentos antes do acidente. Essa tese consta no relatório preliminar do Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), órgão da FAB (Força Aérea Brasileira), que ainda não concluiu a investigação final.

Para Adriana, que acompanha o caso desde o dia da tragédia, houve falha humana, mas a causa foi multifatorial. “O sistema de degelo não funcionou. E, se não funcionou, é porque a aeronave não estava com a manutenção adequada. Vou atrás dos responsáveis”, afirma. Ela deixou a carreira de lado para lutar pela conclusão da investigação e pela assistência às famílias.

“Levei minha filha ao aeroporto acreditando que ela usaria o meio de transporte mais seguro do mundo. Pessoas sabiam que a empresa adotava medidas ilegais. Eu não sabia. A gente acha que, ao entrar no avião, tem o selo da Anac e está tudo certo”, diz.

Saindo de Cascavel (PR), o ATR 72-500 se preparava para pousar em Guarulhos, virando ligeiramente à direita, quando mudou repentinamente de direção e se inclinou fortemente à esquerda. Dados divulgados mostram avisos constantes de formação de gelo, perda de velocidade e acionamentos de sistemas pelos pilotos para tentar superar a situação.

O Cenipa analisou mais de 15 mil voos da empresa para identificar padrões operacionais, condutas em situações semelhantes e possíveis desvios.

Ainda faltam ao menos quatro etapas para a conclusão do relatório final, incluindo análises técnicas, cruzamento de dados e envio da minuta para os países envolvidos na investigação, como França e Canadá.

Paralelamente, a Polícia Federal conduz a investigação criminal para responsabilizar os envolvidos, mas não comenta casos em andamento. Para as famílias, o sentimento por justiça permanece forte.

A Anac cassou, sem possibilidade de recurso, a licença da Voepass, não diretamente pelo acidente, mas pela incapacidade da empresa de corrigir falhas apontadas em fiscalizações anteriores.

Araceli diz ter sentido alívio com a medida, de junho deste ano. Ainda assim, avalia que a sensação de justiça será maior quando os culpados forem identificados e responsabilizados. Adriana, por sua vez, não tem expectativa de prisões, mas afirma: “Vou até o fim para que CPFs sejam responsabilizados”.

O advogado criminalista Henrique Attuch, do Wilton Gomes Advogados, explica que acidentes aéreos com mortes nem sempre resultam em responsabilização criminal, mas isso pode ocorrer se for comprovada omissão dolosa (com intenção) ou culposa (sem intenção) nos procedimentos de segurança.

Além das investigações por parte do Cenipa e PF, a Defensoria Pública de São Paulo atuou no processo de indenização aos familiares das vítimas do acidente com o avião da Voepass, oferecendo suporte jurídico, psicológico e social, além de facilitar acordos extrajudiciais.

De acordo com a defensora Estela Waksberg Guerrini, que coordena a atuação em relação à indenização das famílias das vítimas, 85% das famílias aceitaram participar do programa de indenização. Deste total, a maioria já recebeu o valor acordado com a seguradora responsável pelos acordos.

Enquanto aguardam os resultados, as famílias tentam seguir em frente. “Minha força vem da injustiça. Não é justo com ela. Era uma criança que só queria brincar, era saudável e estava em pleno desenvolvimento”, diz Adriana.

Já Araceli encontra forças no filho de seis anos, fruto do casamento com Deonir —o casal viveu 20 anos junto, e ele tinha outros dois filhos mais velhos. Explicar a ausência do pai para o filho pequeno foi difícil, mas o menino tem surpreendido pela compreensão. Uma das dúvidas dele era se o pai não assistiria mais às festas do Dia dos Pais.

“Eu disse que poderia ir às festas, mas que o papai sempre estaria ali”, recorda-se. No último fim de semana, a escola organizou a celebração para os pais —desta vez, um ambiente repleto de mães, a pedido de Araceli, para tornar a ocasião mais acolhedora.



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