“O Fim da História e o Último Homem” (Fukuyama, 1992) causou furor com seus argumentos sobre a superioridade das democracias liberais de mercado e sobre a tendência à hegemonia global desse modelo.

A inspiração veio de Hegel (1807), para quem o curso da história leva ao surgimento do Estado ideal, e de Marx (1848), que assumiu que este seria o da ordem comunista. A queda do muro de Berlim, no entanto, levou consigo essa possibilidade e deu lugar ao fukuyamismo.

A noção de que a vida é particularmente boa nas democracias avançadas é indisputável. Não fosse, intelectuais de esquerda jamais emigrariam para o Reino Unido. A verdadeira questão é se a disposição para promover os ideais liberais mundo afora é real ou apenas lero-lero. Sem fechar um veredicto, o apoio histórico a ditaduras e a figuras como Mohammed bin Salman e Netanyahu mantém o placar em 9 a 1 para o lero-lero.

Porém, é a outra dimensão da tese de “O Fim da História” que mais interessa. O índice que mede a difusão global das democracias atingiu, em 2024, seu ponto mais baixo desde que começou a ser medido, em 2006, situação que se deteriorou ainda mais neste ano. Os mesmos fatos que refutaram Marx tampouco gostam da tese de que o espírito democrático seja contagiante.

Fukuyama e seguidores acreditam que se trata de fenômeno passageiro, apontando o dedo para o subdimensionamento prévio do desafio de implantar o arranjo político liberal onde inexiste a infraestrutura institucional necessária. Porém, o enfraquecimento registrado em solo europeu e, sobretudo, em solo americano, além da importância cada vez maior da China, mostram que é justamente a partir do epicentro do poder global que seu apelo evapora.

Outro fator decisivo é o consenso entre as grandes potências de que a IA constitui o palco de uma guerra a ser vencida a qualquer custo, o que deteriora o ambiente social interno e favorece o autoritarismo, a despeito do potencial democratizante da tecnologia.

O caso americano é paradigmático. A supremacia do país, durante o século 20, foi em parte propiciada pelo petróleo, cujos principais custos geopolíticos e danos ambientais passavam longe de suas fronteiras.

Com a IA, é diferente. Seu papel de substituta da guerra ao terror legitima o atropelo das regulações ambientais locais, das propriedades intelectuais e das leis antimonopolistas, fundindo os interesses dos campeões nacionais aos do Estado por meio de incentivos fiscais trilionários e de uma política externa que rechaça o multilateralismo.

A retórica beligerante infla a necessidade de incorporar cadeias de suprimentos enquanto promete uma falsa alternativa ao influxo de especialistas e inventores vindos de países em desenvolvimento, alimentando o chauvinismo e a intolerância. Na toada do nacionalismo, inaugura estados de exceção e dá ares de normalidade à manipulação dos algoritmos que buscam garantir a hegemonia ideológica dos arautos da nobre missão, como se lê no Plano de Ação da IA de Trump, para quem “nenhuma lei é quebrada se estou salvando o país”.

Das margens, quem pode também declara emergência tecnológica, prometendo 50 anos em 5, o que tem mais chances de dar certo se a mão que governa segurar firmemente o poder, como pensa Narendra Modi. O resultado esperado tem até título: a pá de cal no fim da história.


LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.



Source link

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *