
A adultização de crianças foi o tema da semana. Quem não ouviu falar sobre o vídeo do youtuber Felca, que já ultrapassa 39 milhões de visualizações, provavelmente não acessou a internet nem abriu o jornal nos últimos sete dias. Em um vídeo de 50 minutos, o influenciador denuncia diferentes formas de exploração de crianças e adolescentes nas plataformas digitais. O assunto não é novidade, mas a comoção generalizada provocada pela publicação pode, enfim, destravar avanços na legislação.
Para quem cresceu nos anos 1990, a sexualização de crianças é velha conhecida. Segurar o tchan e descer na boquinha da garrafa eram danças frequentes em festas infantis, escolas e até em programas de televisão. Se você sobreviveu a essa época deve guardar lembranças semelhantes.
O que poderia até parecer brincadeira inocente ganha conotação perigosa diante de adultos mal-intencionados e criminosos. Abusadores, exploradores e pedófilos sempre existiram. A diferença é que, hoje, o risco é potencializado por dispositivos digitais e redes sociais. Nas décadas passadas, quando dançávamos músicas sugestivas de duplo sentido, não havia dezenas de celulares registrando e transmitindo para uma imensa rede interconectada, nem pessoas lucrando com isso.
O vídeo viralizado pode ter sido o empurrão necessário para superar barreiras ideológicas que travavam o debate. A ONG Safernet informou que, apenas nos seis primeiros dias após a publicação, houve aumento de mais de 100% nas denúncias de abuso e exploração sexual infantil online. No Congresso, o tema mobilizou todo o espectro político, resultando em mais de 30 projetos de lei voltados à prevenção e ao combate desses crimes digitais.
Essas propostas se somam a outras que há anos aguardam tramitação, mas que esbarram em resistências ligadas à defesa irrestrita da liberdade de expressão e ao lobby das big techs. Agora, com a mobilização de esquerda e direita, há chance de avançar na urgente regulação das redes sociais. Restringir a monetização de conteúdo infantojuvenil e estabelecer regras claras para as plataformas são medidas necessárias. A liberdade de expressão não deve ser usada como argumento quando se trata de proteger crianças de abusadores e exploradores.
Felca praticamente implora em seu vídeo: “Protejam suas crianças”. Mas essa é uma responsabilidade de todos, não só da família. Não dá para deixar só na mão das famílias. Afinal, mais de dois terços dos estupros com vítimas menores de 14 anos ocorrem dentro de casa e a grande maioria dos autores da violência (92%) são familiares ou conhecidos, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2025. Para você que cuida e protege sua criança, pode ser absurdo pensar nisso, mas é a realidade.
Por isso, a regulamentação das redes sociais é indispensável. Assim como educação sexual e educação midiática em escolas e outros espaços frequentados por menores. Já conquistamos avanços importantes na proteção de crianças, como o Estatuto da Criança e do Adolescente e a proibição de publicidade abusiva voltada ao público infantil. Agora, é hora de ampliar essa proteção para o mundo digital.
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