
A metade à esquerda da polarização brasileira poderá escrever “GRANDE DIA”, em maiúsculas, em suas redes sociais nesta terça (12).
Xi Jinping, um farol para parte desse contingente, enfim prestou solidariedade a Lula (PT), objeto de uma campanha agressiva e política por parte do presidente Donald Trump.
“A China está pronta para trabalhar com o Brasil para estabelecer um exemplo de unidade e autossuficiência entre os principais países do Sul Global”, disse Xi num telefonema que ocorreu, como não deixou de ressaltar a mídia estatal chinesa, a pedido do brasileiro.
Mas o fato de que a empatia de Xi foi requisitada e só ocorreu depois de o chinês assegurar mais 90 dias de trégua na guerra tarifária com o mercurial chefe da Casa Branca mostra os limites dessa entidade autointitulada “Sul Global”.
As aspas são mandatórias, dado que o termo é apenas um escaninho de conveniência, como emergentes e países em desenvolvimento já foram antes. A China gostaria de retirar a pátina mercadista do selo e retomar, ao estilo Guerra Fria, um caráter mais político —um Terceiro Mundo reborn, por assim dizer.
É trabalho complexo e soa a dirigismo político, apesar de as palavras que soam como música para Lula e os seus apoiadores. O que Xi quer é um bloco de países alinhados à sua liderança econômica para fazer frente a Washington, a rival estratégica da China na Guerra Fria 2.0.
O embate é uma decorrência natural do peso do colosso asiático, e foi lançado pelo mesmo Trump em 2017, naquilo que começou como uma guerra tarifária e permeou todos os aspectos da relação entre as duas maiores economias do mundo.
Sempre se tratou de China e EUA. Não deixa de ser sintomático que o mais encrencado dos aliados do time dos Brics, a Rússia, prefira falar em “Leste Global” quando se refere aos não alinhados que na realidade estão no barco chinês.
O Brasil sempre buscou um caminho intermediário, mas a virulência ideológica de Trump em favor de Jair Bolsonaro (PL) poderá aumentar a intensidade da já enorme relação comercial com Pequim. Xi gostaria de ver isso refletido num alinhamento político maior.
Lula pode ou não entrar nessa, até porque os dividendos eleitorais do embate com os EUA são mistos, mas é certo que qualquer governo não petista no futuro reverteria tal processo. Economicamente, por óbvio, já era e vai ficar ainda mais intensa a relação.
É preciso creditar Trump. O americano é o catalisador da confusão atual, com sua fé professa em negociações passivo-agressivas. Não há dúvida de que toda sua revolução tarifária, que inverte o sinal da política comercial americana dos últimos cem anos, tem ao fim como alvo a China.
Naquilo que é visto como a carta de inspiração da ala ideológica de seu governo, o Projeto 2025 da ultraconservadora Fundação Heritage, apenas o rival da Ásia surge nas considerações sobre o papel dos EUA no mundo.
Isso ficou provado com a renovada boa vontade com a negociação com Xi, uma semana depois de os países do Brics serem estremecidos pelo brutal tratamento dispensado por Trump à Índia, país que era cortejado no Ocidente como contraponto asiático aos chineses.
Novamente, foi a política. Trump quis pressionar Vladimir Putin a aceitar conversar sobre a paz na Ucrânia, e para isso impingiu 25 pontos percentuais a mais nos 25% de sobretaxas decididos contra produtos de Nova Déli. O motivo alegado foi o financiamento da guerra russa com a compra de petróleo de Moscou.
Ao fim, o ultimato trumpista levou à cúpula da próxima sexta-feira (15) com Putin, e a punição a China, Brasil e outros foi por ora deixada de lado. Pior para os indianos.
Rival regional e enfrentando dificuldades econômicas que apenas ressaltam sua interdependência com os EUA, Xi não se mexeu para apoiar a parceira de Brics. Vejamos como ele agirá quando Trump, que até aqui tem logrado extorquir todos que topam fechar acordos com ele, pedir que substitua a soja brasileira pela americana.
A solidariedade a Lula pode soar como um proverbial negócio da China, mas apenas na superfície.