
O filme “Estúdio Fotográfico de Nanjing”, na tradução literal do título chinês, somou 609 milhões de yuan (R$ 463 milhões) no último fim de semana e liderou não só as bilheterias da China, mas do mundo, segundo a Comscore.
Nesta quinta-feira (7) ele estreia nos Estados Unidos sob o título “Dead to Rights”, algo como “sem dúvida alguma” ou “em delito flagrante”. Nas próximas semanas vai começar também em países como Rússia, Singapura e Coreia do Sul. No Brasil, ainda sem data, deverá ganhar o título “Nanjing: Luz na Escuridão”.
Menos provocativo ou apelativo do que no exterior, o título original retrata melhor a obra do diretor chinês Shen Ao. Seus protagonistas são um carteiro que se faz passar por funcionário do estúdio, uma atriz de pouco sucesso, um policial de rua simplório e uma família, com o pai dono do estúdio, a mãe e seu bebê e a filha pré-adolescente. Também tem destaque um guia colaboracionista, traidor.
Todos chineses, falando diferentes dialetos que o público compreende pelas legendas em mandarim, acima daquelas em inglês. Pessoas que não deixaram o nome na história, no dizer de Shen. Pouco a pouco, elas passam pelos horrores da ocupação japonesa do que era então a capital da China, em 1937. A guerra havia começado em 1931, com a tomada de Mukden, hoje Shenyang, ao norte.
O filme coincide com os 80 anos da vitória sobre o Japão, em 1945. Não é sobre heróis em batalha. Soldados chineses são mostrados acuados, alguns se suicidam. Os protagonistas se reúnem aleatoriamente na loja de esquina, que revela fotografias, em busca de um esconderijo na cidade já esvaziada e tomada por escombros.
Mentem para sobreviver e tentar escapar, percebendo ao longo dos dias que estão com as provas daquilo que veem ou por que passam nas ruas —as fotos tiradas por um fotógrafo militar japonês. Muitas são célebres, históricas, como a do bebê exibido por dois soldados, atravessado por uma baioneta, ou os corpos às margens e dentro do rio Qinhuai, tingido de sangue nos relatos da guerra e no filme.
O impacto sobre o público, que se emocionou amplamente na sessão acompanhada no último sábado, remete em parte à semelhança com imagens contemporâneas em mídia social, de Gaza, e também com o esforço em apagá-las. Segundo o próprio diretor, é um filme sobre a disputa de opinião pública.
Embora as cenas das fotografias se repitam —de maneira pouco explícita— ao longo de toda a projeção, ele não se pretende um semidocumentário. Shen diz, no texto creditado a ele na edição desta quinta do Diário do Povo —o principal jornal do país, publicado pelo Partido Comunista da China—, que o filme deve ter um lado dramático e, ao mesmo tempo, assegurar que a história não seja distorcida.
“É importante lidar com a verdade artística e a verdade histórica”, afirma. Daí as cabeças cortadas, os estupros, as pessoas destruídas, mas também seu registro nas fotos que escapam da cidade, levadas pelo que resta do pequeno grupo de personagens, e acabam publicadas em jornais americanos, então aliados da China.
O esforço para manter a memória promete ser mais bem-sucedido internamente do que no exterior. No Japão, que historicamente rejeita relatos e imagens sobre o também chamado “estupro de Nanjing”, os primeiros registros sobre o filme em nas redes sociais e na mídia japonesa retomaram questionamentos ao número de mortos, mais de 300 mil.
Também voltaram a chamar de “incidente de Nanjing”, não massacre ou estupro. A guerra de cifras e palavras é parte da disputa de opinião pública que Shen busca abordar, sem forçar a mão, no projeto de não se deixar perder a história daquelas semanas de 1937 para 1938.
Seu texto no jornal, com ampla repercussão, começa contando de uma visita feita dias antes. “Comparada à cidade do filme, a cidade à minha frente está repleta de prédios altos, tudo mudou dramaticamente. Mas nunca esqueceremos.” A Folha esteve há dois meses e pode confirmar que, a começar do rio Qinhuai carregado de turistas, pouco resta do cenário do filme.
Shen não está sozinho, na luta contra o esquecimento. Já são mais de 20 filmes chineses sobre o massacre, além de séries de televisão. Os mais festejados são “Flores do Oriente” (2011), de Zhang Yimou, sobre o sacrifício de 13 prostitutas para salvar estudantes, e “O Massacre de Nanquim” (2009), de Lu Chuan, com cenas realistas do massace.
Em torno dos 80 anos, serão lançados outros filmes. O que causa maior expectativa é “731 – Revelações Bioquímicas”, apenas “731” no original, número da unidade do exército imperial japonês que realizou experimentos bacteriológicos em chineses, no nordeste do país, durante a guerra. Estreia no dia 18 de setembro. O dia da vitória será celebrado com uma parada militar em Pequim, em 3 de setembro.