
Quem já foi a Hiroshima, sabe como a cidade é encantadora. Arborizada, com avenidas largas, é plana, fácil de caminhar e conhecer. Ela fica no sul do Japão, na costa, à beira de uma grande baía —tão grande que recebe o nome de mar: mar interior de Seto.
Uma das atrações desse litoral tão recortado é a ilha de Miyajima. Não é difícil chegar. Tem um comércio variado e a paisagem é muito bonita. O maior destaque está dentro d’água. Ou fora. Ou dentro. Depende da hora que você vá… E da maré: é um torii “flutuante”, erguido num local que enche quando o mar sobe, mas pode ser visitado quando a água recua. O torii, para quem não sabe, é o portal que marca a entrada dos templos e santuários xintoístas.
Mas voltemos a Hiroshima. Essa proximidade com o mar explica os numerosos rios e canais que cortam a cidade, especialmente a região mais central. Assim, ela é formada por “ilhas”, que foram sendo conectadas por pontes e outras estruturas com o passar dos anos.
Hiroshima é silenciosa. O povo é educado e gentil, fala baixo, e os motoristas não buzinam. Nada melhor do que sentar à beira de um dos canais e ouvir apenas a água correndo ou o barulho das árvores sendo tocadas pela brisa marinha.
A tranquilidade só é quebrada quando entra em cena o Hiroshima Carp, time de beisebol. Aí as cores vermelha e branca tomam conta da cidade —e um grande “C” pode ser visto diante das lojas, em faixas e bandeiras.
Ah, também tem barulho na estação de trem da cidade. Como Hiroshima é destino de muitas excursões escolares, é comum ver turmas inteiras sentadas no chão, sendo crianças: brincando, rindo, falando alto, enquanto os professores fazem a contagem, se certificando de que não há nenhum estudante desgarrado!
É interessante também prestar atenção na mistura de estilos na arquitetura —se bem que isso se repete em quase toda cidade japonesa. Por causa dos terremotos, muitos prédios mais antigos foram substituídos por edifícios mais resistentes. Não são bonitos, muitas vezes, mas convivem bem com templos e construções de outras épocas.
O transporte principal a atender os moradores é o bonde. E isso vem de muito tempo. Até hoje é possível ver em circulação os mais antigos, com estrutura de madeira. Rangem ao virar uma curva, os assentos são forrados de veludo. Convivem com veículos mais modernos —não mais chamados de bondes: alguém inventou de nomeá-los, no mundo todo, de VLTs. Mas tem seu charme. Em Hiroshima, cruzam as avenidas emitindo muito pouco barulho. A gente escuta mais o pequeno sino que o motorneiro precisa tocar para chamar atenção de um pedestre mais distraído.
Vá a um restaurante e peça o okonomiyaki, o prato típico da cidade. No centro, existe um prédio de uns seis andares, todo ocupado por restaurantes… e todos servem o okonomiyaki! Tem várias maneiras de explicar como ele é preparado, mas trago a mais simples: é um mexidão, montado numa espécie de panqueca que pode levar verdura, macarrão, bacon, ovo, maionese… Tudo misturado em cima da chapa de ferro quente. E com um japonês suado, de faixa na testa, operando as espátulas. Divertido de ver, delicioso de comer, divide fácil para duas pessoas e é meu prato favorito no Japão.
Viu? Falar ou escrever sobre Hiroshima não precisa ser motivado apenas pela bomba que atingiu a cidade em 6 de agosto de 1945. Sim, tem o museu que conta toda a história de destruição e mortes; o prédio do domo; o parque da paz; o monumento à menina Sadako —vítima da radiação depois de fazer os mil tsurus de origami… Todos pontos obrigatórios.
Nos acostumamos a associar algumas regiões à tragédia dos conflitos. É assim em Guernica, Srbrenica, Gaza. Ou mesmo em Nagasaki, a outra cidade japonesa atingida pela explosão de um artefato nuclear, três dias depois, no 9 de agosto.
Mas não tem que ser um ato de guerra a nos fazer lembrar de um lugar. Pensemos no que veio depois. O que restou. Quem sobreviveu. Registrar esses encantos de Hiroshima, essas pessoas, especialmente nesta data, é a minha homenagem.
TENDÊNCIAS / DEBATES
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