
A União Europeia e os EUA concordaram com um acordo comercial que aplicará uma tarifa de 15% sobre a maioria das importações europeias nos Estados Unidos e exigirá que o bloco invista centenas de bilhões de euros em energia e armamentos para evitar uma guerra comercial com a administração Trump.
O pacto significa que a UE evitou a tarifa de 30% ameaçada pelo presidente dos EUA caso um acordo não fosse alcançado até 1º de agosto.
“Estou totalmente confiante e 100% certo de que este acordo é melhor do que uma guerra comercial total”, afirmou o comissário de comércio da UE, Maros Sefcovic, nesta segunda-feira (28).
Mas ainda assim, as tarifas dos EUA estão em seu nível mais alto em décadas.
O QUE SERÁ COBERTO PELAS TARIFAS?
A tarifa de 15% cobrirá cerca de 70% das exportações da UE, incluindo produtos farmacêuticos e semicondutores, que não estavam sujeitos a impostos anteriormente, ao mesmo tempo em que Trump iniciou investigações em ambos os setores.
A taxa de 15% também se aplica a automóveis, que estavam sujeitos a uma tarifa de 27,5% antes do acordo.
Isso totaliza cerca de 780 bilhões de euros (R$ 5,08 trilhões) em comércio, segundo a Comissão Europeia. Já as importações dos EUA para a UE não enfrentarão tarifas mais altas.
A Alemanha, que especificamente pressionou por tarifas baixas em automóveis e produtos farmacêuticos, recebeu o acordo como “aceitável” sob circunstâncias difíceis de negociação, disse um funcionário.
A ministra da Economia do país, Katherina Reiche, afirmou que o acordo é “desafiador para nossa economia”, mas que é “importante que alguns setores tenham sido excluídos”. “Trabalhamos duro para alcançar isso”, acrescentou.
Já na França, o maior produtor agrícola da UE, o primeiro-ministro François Bayrou descreveu o acordo como “uma submissão”, dizendo que foi um “dia sombrio” para o bloco.
Uma das maiores questões pendentes diz respeito às exportações de aço e outros metais da UE para os EUA. No domingo, Trump disse que os EUA manteriam uma tarifa de 50% sobre as importações de aço e alumínio.
Funcionários da UE afirmaram na segunda-feira que os dois lados concordaram com uma cota baseada em níveis históricos de importação, acima da qual a taxa de 50% seria aplicada.
Mas autoridades americanas disseram que, embora uma cota tarifária mais baixa estivesse sendo discutida, nada havia sido acordado ainda.
Um dos funcionários do bloco afirmou que a UE tentou incluir o aço, mas Trump não aceitou e os europeus acabaram se resignando.
QUAIS SETORES TERÃO TARIFAS ZERO?
Os dois lados, no entanto, concordaram que ambos reduziriam as tarifas a zero em cerca de 70 bilhões de euros (R$ 455,94 bilhões) de produtos. “[Isso incluiu] todas as aeronaves e componentes, certos produtos químicos, certos genéricos, equipamentos de semicondutores, certos produtos agrícolas, recursos naturais e matérias-primas críticas”, comentou a presidente da Comissão, Ursula von der Leyen.
Os parâmetros exatos das tarifas zero por zero ainda precisam ser determinados. Na segunda-feira, não estava claro se vinhos e bebidas alcoólicas seriam incluídos na parte livre de tarifas do acordo, com as negociações sendo mantidas em andamento.
O tratamento preferencial de tarifa zero para os EUA poderia contrariar as regras da OMC (Organização Mundial do Comércio), alertaram especialistas em comércio.
“Todos esses métodos são claramente incompatíveis com a OMC, mas não seria o primeiro caso”, avaliou Ignacio García Bercero, ex-funcionário de comércio da UE que liderou as regras da OMC.
O QUE A UE PROMETEU COMPRAR?
Como parte do acordo, a UE se comprometeu a comprar US$ 750 bilhões (R$ 4,19 trilhões) em produtos de energia, incluindo gás, petróleo e combustível nuclear, disseram funcionários da UE.
Isso representaria US$ 250 bilhões (R$ 1,4 trilhão) por ano pelo restante do mandato de Trump como presidente, disse Von der Leyen, marcando um aumento significativo nas importações de energia dos EUA pelo bloco.
Em 2024, a UE importou 375,9 bilhões de euros (R$ 2,45 trilhões) em produtos energéticos de todo o mundo. As exportações totais de energia dos EUA para a UE representaram cerca de 75 bilhões de euros (R$ 488,5 bilhões) no ano passado, de acordo com o Eurostat.
A comissão também se comprometeu a investir US$ 600 bilhões (R$ 3,35 trilhões) na economia dos EUA, além de quantias não definidas em compras de armas.
Mas a UE não tem poder legal para fazer essas promessas, razão pela qual elas “não eram compromissos legais”, disse um funcionário da UE.
“Podemos nos relacionar com a reindustrialização da economia dos EUA, pois nós perseguimos o mesmo objetivo”, comentou Sefcovic.
COMO OS MERCADOS REAGIRAM?
Os mercados de ações europeus estavam otimistas na manhã de segunda-feira, ao absorverem o primeiro impacto do acordo, mas o euro enfraqueceu diante de um dólar fortalecido.
O índice Stoxx Europe 600, que captura ações de grande capitalização em todo o continente, atingiu seu nível mais alto desde o final de março —antes do anúncio do “Dia da Libertação” de Trump em abril— subindo até 0,9% na segunda-feira quando o mercado abriu.
As ações de tecnologia registraram alguns dos maiores ganhos, à medida que os investidores manifestaram seu alívio de que os semicondutores enfrentariam tarifas zero. As fabricantes de chips ASML e BE Semiconductor Industries subiram mais de 4%.
Os investidores disseram que o reflexo visto na Bolsa era um sinal de alívio de que o pior cenário de retaliação da UE havia sido evitado.
“Havia um risco de uma repetição completa do Dia da Libertação, ou um enorme vai e vem de tarifas recíprocas. Esse risco agora desapareceu”, comentou Max Kettner, estrategista-chefe de múltiplos ativos do HSBC.
O dólar ganhou força após a notícia do acordo, à medida que uma das principais preocupações que pressionavam a moeda desapareceu. Somando-se ao movimento estava a visão de que as taxas poderiam elevar a inflação dos EUA, exigindo que o Federal Reserve mantivesse as taxas de juros elevadas.
O euro caiu 0,8% em relação ao dólar, enquanto economistas calculavam que as tarifas afetariam o crescimento do bloco.
O QUE ACONTECE A PARTIR DE AGORA?
A UE e os EUA emitirão uma declaração conjunta em 1º de agosto, que delineará os principais pontos do acordo. Funcionários da UE esperam que Trump assine uma ordem executiva que promulgará a taxa tarifária de 15% nesse dia.
Bruxelas terá então que traduzir a declaração conjunta em termos juridicamente vinculativos, o que exigirá o apoio da maioria dos países da UE.
Se o acordo fracassar, o que diplomatas disseram ser improvável, a UE ainda poderá retaliar.
Von der Leyen disse que espera que o acordo dure pelo restante do governo Trump.
Para Sefcovic, a expectativa é que o acordo seja um “passo para um acordo de investimento comercial mais amplo entre a UE e os EUA no futuro”.