
Convidada da Bienal do Livro do Rio de Janeiro, a escritora italiana Dacia Maraini participa, no dia 20 de junho, da mesa “Entre palavras e silêncios”, ao lado de Ana Maria Machado, Rosiska Darcy e Heloísa Seixas.
O encontro, marcado para as 12h no espaço Café Literário Pólen, propõe uma conversa sobre como a escrita atravessa o tempo e o papel da literatura como força criadora, política e transformadora.
Com uma carreira marcada pela defesa dos direitos das mulheres, Maraini consolidou-se como uma das principais vozes do feminismo na literatura italiana, especialmente a partir dos anos 1970. Sempre engajada em causas sociais, circulou por importantes círculos culturais da época.
Foi casada por mais de uma década com o escritor Alberto Moravia, compartilhando afinidades literárias e políticas. Também manteve uma longa amizade com o cineasta Pier Paolo Pasolini e com a soprano Maria Callas. Essas relações, permeadas por trocas intelectuais e afetivas, ajudaram a fortalecer sua escrita como instrumento de crítica social.
Em entrevista à Folha, às vésperas do Bienal, Maraini retomou temas centrais de sua obra e refletiu sobre os desafios atuais enfrentados pelas mulheres no mundo.
Autora de “A Longa Vida de Marianna Ucrìa” —romance que vendeu mais de 1 milhão de cópias desde que foi lançado em 1990 e ganhou recentemente nova tradução para o português—, Maraini conta que a gênese do livro está ligada a uma experiência pessoal.
Quando criança, ela e os pais passaram dois anos em um campo de concentração no Japão, para onde haviam se mudado após se recusarem a jurar lealdade ao regime de Benito Mussolini.
Ao retornar à Itália depois desse trauma, Maraini ficou temporariamente muda. “Escrever sobre uma personagem que não conseguisse falar foi natural”, diz.
Com o tempo, a protagonista muda de ” A Longa Vida de Marianna Ucrìa” foi lida como símbolo do silêncio imposto às mulheres e da violência que sofrem.
Ao comentar avanços conquistados nas últimas décadas, a escritora aponta que mulheres hoje têm acesso a profissões antes vetadas. Ainda assim, o cenário está longe de ser ideal.
“É mais fácil mudar as leis que a mentalidade das pessoas”, afirmou, citando os altos índices de feminicídio no mundo, muitas vezes com mulheres assassinadas por parceiros que não aceitam sua autonomia.
Questionada sobre a literatura contemporânea, Maraini observa que a família se tornou um tema central, sobretudo entre autoras jovens. “A família, antes refúgio, é agora vista muitas vezes como um lugar perigoso”, diz.
Para ela, esse olhar revela um momento de transição entre modelos familiares tradicionais e novos arranjos, o que provoca tensões culturais. “Há um medo da mudança que pode explicar a tentativa de resgatar valores antigos.”
A autora também reflete sobre o papel da memória na literatura. Segundo ela, todos carregam uma “linha vertical” de lembranças pessoais e uma “linha horizontal” de memória coletiva. “Para formar um cidadão consciente é essencial que essas linhas se cruzem”, diz.
Maraini comenta ainda o crescente interesse por figuras femininas que não tiveram a oportunidade de contar suas próprias histórias. Menciona livros recentes que redescobrem mulheres como a filósofa Hipácia, a poeta mexicana Juana Inés de la Cruz e a pintora Frida Kahlo, além do romance de Melania Mazzucco sobre Plautilla Bricci, nascida em 1616 e provavelmente a primeira arquiteta mulher do mundo.
Animada para reencontrar o público brasileiro na Bienal, Maraini lembra uma antiga visita ao país, em 1994, quando veio falar sobre literatura na Biblioteca Nacional do Rio, e mostra entusiasmo sobre a troca com autores locais. “Ler escritores de um país é essencial para compreendê-lo”, afirma.