
por professor e jornalista Sadraque Rodrigues – especial para o Portal Colombense
Em tempos em que muitas gestões públicas se distanciam da população e priorizam decisões técnicas descoladas da realidade social, um movimento silencioso e transformador ocorre entre as araucárias do Paraná. No município de Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba, a administração municipal decidiu dar um passo à frente ao abrir oficialmente à população o planejamento das políticas públicas para os próximos quatro anos. Trata-se de um gesto simbólico e prático que reconhece o direito fundamental do cidadão de não apenas ser governado, mas de participar do governo em suas decisões estruturantes.
Por meio de um processo de escuta pública, os moradores estão sendo convidados a colaborar com ideias, propostas e observações para a construção do Plano Plurianual (PPA) de 2026 a 2029. Esse plano é um dos principais instrumentos de planejamento governamental, sendo responsável por organizar as metas, diretrizes e investimentos da gestão pública durante um período de quatro anos. Ao abrir a possibilidade de participação direta da população nesse processo, o município reforça o que há de mais legítimo em uma administração: ouvir quem vive a realidade todos os dias.
O gesto, embora simples em sua forma — por meio de uma plataforma digital acessível à população —, é grandioso em sua essência. Significa devolver ao povo aquilo que lhe pertence: o poder de influenciar o destino da sua cidade. Mais do que uma formalidade institucional, a escuta ativa revela maturidade democrática e compromisso com a transparência. E mais: representa a valorização do conhecimento comunitário, que, muitas vezes, é desprezado pelos processos técnicos e pela burocracia.
A iniciativa de Araucária não se resume a colher sugestões. Ela carrega uma mensagem clara de que a administração reconhece a complexidade do território e a pluralidade de vivências de sua população. Cada bairro tem suas demandas específicas. Cada comunidade, suas dores e sonhos. Planejar sem ouvir é correr o risco de errar. Ouvir sem agir é frustrar. Por isso, o desafio não está apenas na consulta pública, mas no que será feito com as contribuições recebidas.
A metodologia adotada busca simplicidade e abrangência: um formulário online foi disponibilizado no site oficial da prefeitura, onde qualquer cidadão pode registrar suas ideias. A população também pode participar presencialmente em encontros comunitários e debates territoriais. A proposta é alcançar o maior número possível de vozes. No entanto, é preciso reconhecer que a participação efetiva exige mais que canais abertos: exige mobilização, comunicação clara e um verdadeiro esforço para incluir os que vivem à margem dos debates públicos.
As tecnologias digitais oferecem grandes oportunidades de acesso, mas também representam obstáculos para quem não dispõe de conectividade ou familiaridade com esses meios. Por isso, os gestores devem equilibrar o uso da internet com formas presenciais de escuta, especialmente em regiões periféricas e rurais. A inclusão social também se manifesta na forma como o poder público se aproxima dos cidadãos.
Historicamente, grande parte da população foi afastada dos processos decisórios por barreiras culturais, educacionais e estruturais. A quebra desse ciclo passa necessariamente pela educação política e pela construção de uma cultura de pertencimento. Quando um cidadão é ouvido e vê suas propostas consideradas, ele se torna parte ativa da solução. A cidade deixa de ser um cenário para se tornar um projeto coletivo em constante transformação.
No caso de Araucária, essa movimentação ganha ainda mais força ao considerar que o município convive com realidades diversas: áreas urbanizadas, zonas industriais, regiões de preservação ambiental, comunidades tradicionais, bairros em expansão e centros históricos. Cada pedaço do território carrega especificidades que não podem ser ignoradas em nenhum plano de gestão pública. O bom planejamento começa com o reconhecimento da diversidade e do equilíbrio entre desenvolvimento e preservação.
A sustentabilidade urbana, por exemplo, não pode mais ser pensada sem a participação direta dos moradores. O crescimento populacional e a pressão sobre os recursos naturais exigem decisões responsáveis que equilibrem progresso e qualidade de vida. Ouvir a população é também uma forma de identificar soluções criativas, evitar desperdícios e preservar o patrimônio ambiental e cultural.
Além disso, a aproximação entre o poder público e a sociedade civil fortalece a confiança institucional. Em um tempo marcado por desconfiança, polarizações e desinformação, iniciativas como essa ajudam a reconstruir pontes. A democracia não se resume ao voto. Ela precisa estar presente no dia a dia, nos pequenos gestos, nos canais de escuta, na responsabilidade compartilhada. Governar com o povo é mais trabalhoso, mas é também mais justo e eficaz.
O grande desafio, no entanto, vem depois da escuta: transformar ideias em políticas públicas concretas. O risco de frustração é real quando as propostas da população não são consideradas de maneira transparente. Por isso, é essencial que a administração divulgue com clareza como as contribuições serão processadas, quais serão aproveitadas e de que maneira impactarão o planejamento final. Essa prestação de contas deve ser parte integrante do processo, e não um apêndice protocolar.
Outro ponto relevante é a necessidade de garantir que diferentes segmentos da sociedade estejam representados nas contribuições. Jovens, idosos, mulheres, trabalhadores informais, pessoas com deficiência, agricultores familiares, educadores, profissionais da saúde, comerciantes e tantos outros grupos precisam ter seus espaços assegurados. Uma escuta democrática é aquela que amplia o campo das vozes, e não que o restringe aos mesmos de sempre.
Araucária tem mostrado que é possível fazer diferente. A cidade das araucárias pode se tornar, também, a cidade do diálogo. O que está em jogo não é apenas a construção de um plano de governo, mas a formação de uma cultura de participação cidadã duradoura, em que a população se sinta parte integrante do processo político, e não apenas espectadora dos resultados.
Que essa experiência sirva de inspiração para outros municípios, inclusive Colombo. É hora de fortalecer práticas que conectem poder público e sociedade de forma responsável, respeitosa e eficiente. O futuro das cidades deve ser construído com base na escuta, na inclusão e no comprometimento com o bem coletivo.
Nossas cidades precisam ser mais que territórios de concreto. Precisam ser organismos vivos, que respiram a realidade de quem as habita. E só há um caminho para isso: reconhecer que quem vive a cidade também sabe o que ela precisa. Escutar o povo é um ato de inteligência, de coragem e de compromisso com a verdade.
Sob as araucárias centenárias do Paraná, ainda há espaço para que brotem novos caminhos de cidadania. Que mais cidades tenham a sabedoria de ouvir. Que mais gestores tenham a humildade de aprender. E que a população seja sempre reconhecida como parte legítima da construção do futuro.
professor e jornalista Sadraque Rodrigues
para o Portal Colombense